A segunda temporada de The Promised Neverland que começou no dia 8 de Janeiro deste ano foi dos animes mais esperados de 2021, depois da excelente primeira temporada que não só atraiu os fãs do manga, mas também trouxe novos fãs a franquia.
A primeira temporada seguiu quase exatamente a história do livro mas, como qualquer fã do manga (como eu), desde o início notou que a segunda temporada diferenciou-se muito do material de fonte. Há medida que os episódios foram saindo cada vez mais, Cloverworks e Mamoru Kabe estão a tornar o anime uma história completamente diferente do manga.
Na passagem de uma história de Manga para anime são sempre expectáveis algumas alterações e alguns cortes, mas ninguém esperava que fossem a este nível, cortando arcos completos e personagens marcantes. Mas estou a apressar-me na minha análise, por isso, vou tentar explicar mais detalhadamente as alterações que foram feitas do manga e porque acho que são erros que estão a mudar por completo a mensagem e significado que a história que The Promised Neverland deve representar.
A começar por uma mudança que altera um pouco o terceiro arco mas que eu até percebo, os primeiros 3 episódios, referentes ao arco “A Floresta Prometida” cortaram muito da exploração tanto da floresta como também das canetas e dos livros que William Minerva deixou às crianças.
No manga, as crianças sofrem vários obstáculos ao explorar a floresta, sendo apanhados numa armadilha de uma árvore que suga o sangue de animais. Só conseguem sobreviver quando Emma se apercebe que o livro de histórias da biblioteca do orfanato de Grace Field, que tinha o símbolo de William Minerva, tem uma história que é um espelho perfeito da situação em que se encontram, percebendo que o livro foi escrito para os ajudar a sobreviver no mundo exterior, através de metáforas e pequenos contos.
Pelo contrário, no anime, as crianças simplesmente observam as criaturas e plantas à sua volta e apercebem-se que estas estão descritas no livro, nada é dito em relação a qualquer história ou metáfora e nenhuma árvore que suga sangue é mencionada. Mas é uma pequena alteração que é compreensível, visto que não é um ponto assim tão importante na história e poderia perder-se tempo precioso dos pequenos episódios de 20 minutos que o anime usa para contar a história.
Para além disso, Ray e Emma também conseguem perceber muito mais rapidamente como a caneta de William Minerva funciona no anime comparativamente com o manga. Novamente uma modificação até aceitável tendo em conta o tempo, e de alguma forma até faz com que Emma e Ray pareçam mais inteligentes.
Depois disso, as crianças são perseguidas por um demónio selvagem e pelos demónios guardas de Grace Field, tal como no manga, e durante 2 episódios o anime segue o manga de forma muito próxima, apesar de pequenas alterações, até numa conversa relevante entre os dois demónios, Mujika e Sonju, que omitem a referência à Promessa entre demónios e humanos que é feita no manga.
Esta alteração na conversa é aceitável se pensarmos que os escritores do anime não queriam começar já a dar-nos informações sobre a história que só iriam ter consequências muito mais à frente no anime (aparentemente). Mas é depois disto que o anime decide cuspir no manga, rasgá-lo e mandá-lo pela janela diretamente numa fogueira.
Quando o nosso grupo de protagonistas chega à safe house marcada por William Minerva, os fãs do manga imediatamente notaram alguém muito importante em falta. Onde está Yugo (Ou Mister como é conhecido por muitos)?
Para contextualizar quem não leu o manga, no anime o grupo chega ao bunker e quando entram, encontram-no vazio e imediatamente podem começar a usá-lo a seu prazer. Por outro lado, no manga, ao chegarem ao Bunker, as crianças deparam-se com um homem de 29 anos que imediatamente lhes diz para sair da sua casa.
Este personagem é Yugo, um dos personagens favoritos dos leitores do manga, que tal como o nosso grupo de protagonistas conseguiu escapar da sua quinta há 15 anos, mas infelizmente para ele, ao contrário de Emma e do resto do grupo, acabou separado do seu grupo e foi o único a conseguir chegar ao Bunker. Assim tem vivido sozinho, e cada vez mais perdido na sua depressão e pensamentos suicida. Durante tanto tempo, perdeu qualquer esperança no mundo, nas pessoas e especialmente em si próprio.
Sim, o anime deixa algumas pistas referentes a este personagem no bunker, dando a entender que este lá esteve mas que por alguma razão decidiu sair e explorar o mundo sozinho (algo que o personagem que vemos no manga nunca iria fazer antes de Emma o ajudar a superar a depressão).
A emissão de Yugo imediatamente deixou a dúvida a todos os leitores do manga: isto significa que os arcos de “A Procura de Minerva” e “A Batalha de Goldy Pond” vão ser cortados?
Como os episódios quatro e cinco nos demonstraram, infelizmente sim. Sem a presença de Yugo no Bunker, Emma e o grupo nunca têm um obstáculo à sua vida no bunker. Nunca ficam a saber sobre o seu antigo grupo e sobre Goldy Pond. Emma nunca tem de ajudar yugo a superar a depressão e o Pós-Stress Traumático. Emma e Ray nunca vão explorar a floresta com Yugo. Emma nunca é raptada pelos demónios de Goldy Pond e nunca conhece Lucas e desta forma, Yugo e Lucas não voltam a reencontrar-se. A batalha para libertar Goldy Pond e as crianças lá presas nunca acontece e acima de tudo, infelizmente, Emma nunca aprende e cresce como líder com estas experiências.
Como os episódios quarto e cinco da segunda temporada também nos mostraram não só estes arcos foram cortados, mas também o arco inteiro de “Cuvitidala”, onde Emma, Ray, Gilda e Don partem numa aventura para explorar as ruínas e os templos de Cuvitidala, onde ficam a saber mais sobre a promessa entre humanos e demónios, sobre a vida destes e onde começam a ter algumas pistas sobre como acabar com essa mesma promessa, foi completamento cortado.
Em vez disso, em apenas um episódio, imediatamente temos o Bunker/Safe house das crianças a ser atacado e destruído por guardas, e um aparente salto temporal de um ano com as crianças a viverem escondidas no meio de demónios e num templo abandonado.
Estes cortes não só emitem a aprendizagem e crescimento de vários personagens (especialmente de Ray e Emma), e vários personagens de grande impacto na história (como Yugo e Lucas), mas também retiram toda a ligação emocional do(a) leitor/espectador(a) com o crescimento destes personagens, enquanto aprendemos sobre o mundo ao mesmo tempo que eles.
Todos estes erros de decisão e de escrita culminam no final do episódio 5, com o apressado e desligado de qualquer emoção regresso de Norman.
No manga, quer tenhamos acreditado que Norman tinha morrido ou não em Grace Field, todos tivemos de acompanhar os personagens por várias aventuras e ter 3 arcos inteiros sem ter qualquer notícia do personagem. Esperar que Emma e Ray resolvessem todas as pistas na procura de William Minerva, finalmente pensassem que iam conhecer o seu salvador desde Grace Field até que, para sua surpresa, em vez de William Minerva encontram o seu amigo de longa data que pensavam ter morrido, tornando o seu regresso num dos momentos mais emotivos e marcantes do manga.
Pelo contrário, no anime, com todos os cortes feitos na historia temos apenas 6 episódios sem Norman até que ele volta, completamente aleatoriamente num beco de uma cidade no meio do deserto, que com muita conveniência aparece para salvar Emma e Ray que estavam prestar a ser capturados por demónios.
Este regresso não tem qualquer emoção ou suspense e perde todo o impacto, não só para fás do magna, mas até para qualquer fã que só segue o anime. Uma boa comparação para quão insatisfatório este regresso foi, imaginem que Gandalf, após o seu emotivo sacrífico em A Irmandade do Anel regressava no início de As Duas Torres, aparecendo em frente a Aragorn numa qualquer estrada da Terra Média.
Como fã do manga, e de boas histórias, esta temporada está a ser uma desilusão, especialmente as decisões tomadas nos últimos dois episódios. Ainda estamos a meio da segunda temporada e por isso alguns fãs esperam que o anime esteja só a mudar a ordem dos arcos e ainda possamos ver Yugo, Lucas e as historias de Goldy Pond, mas eu não tenho essa esperança. E mesmo que isso aconteça, o regresso apressado de Norman muda completamente o significado desses arcos e como vão afetar o crescimento dos personagens.
Como já devem ter percebido ao ler este artigo, estou muito desapontado com a direção que o anime está a seguir. Não só por cortar várias partes personagens, mas porque ao fazer isso estão completamente a modificar a mensagem que The Promised Neverland deve transmitir. Uma mensagem de união, amizade e superação de obstáculos está a ser substuída por uma historia à estilo Hollywood, onde tudo é bastante conveniente, os personagens principais não têm de se esforçar para atingir os seus objetivos e não crescem como personagem.
Como fã de The Promised Neverland e dos seus personagens, gostava de estar a escrever uma extremamente positiva análise ao anime e de poder dizer que espero que o anime consiga ultrapassar estes erros cometidos, mas infelizmente se há algo que vários estúdios de anime nos mostraram é que são incapazes de admitir que erros e vão forçá-los até ao limite.
Assim, infelizmente, não espero nada para além da continuação de vários erros e decisões que vão arruinar a historia original que todos adoramos. Por isso, um último conselho que vos posso deixar é, se têm interesse em ver que alterações vão ser feitas no anime, continuem a acompanhá-lo, mas se querem viver a verdadeira experiência de The Promised Neverland leiam o manga e percebam o porque de ter uma comunidade tão apaixonada.