5 Dicas de como complicar o desenvolvimento de um jogo que aprendemos com vários estúdios
Publicado a 28 Mar, 2021

Antes de começar este meu artigo tenho de dizer que não sou um Game developer, ou nada parecido. Por isso, não sou um perito na criação, desenvolvimento e lançamento de videojogos. Mas como um grande fã de desta área, cada vez mais me entristece ver videojogos com grande potencial serem arruinados (ou pelo menos onde o produto final fica muito longe do que poderia ser) por causa de erros que facilmente poderiam ser evitados, e que estão à vista de qualquer pessoa com o mínimo conhecimento do mundo e da indústria, mas que os estúdios insistem em repetir.

Esta tendência é especialmente visível em estúdios AAA, seja porque todos nós temos mais propensão para perdoar erros cometidos por estúdios Indie. As equipas de estúdios AAA são maiores, logo existe uma maior probabilidade para conflito interno, ou simplesmente porque existe uma maior pressão neste tipo de estúdios para entregar um produto final melhor.

Qualquer que seja a razão, este facto continua a ser verdade e pelo que temos lido nas mais recentes notícias de videojogos parece que os estúdios e os seus representantes insistem em não aprender. Por isso, vou apresentar (com base nos erros que vemos vários estúdios cometerem), 5 dicas para qualquer novo game developer seguir, caso o vosso objetivo seja entregar um produto final de qualidade questionável.

1 – Constantes mudanças na direção do jogo

Como qualquer pessoa que já trabalhou em qualquer projeto vos dirá, a direção é muito importante. Perceber qual a mensagem que a história do jogo é suposto passar; qual a melhor forma de a apresentar, qual a estética do mesmo; que mecanismos o jogo vai ter; entre muitos outros tópicos são de extra-relevância no desenvolvimento e um jogo e torna-se vital tê-los bem definidos do início ao fim.

Mas vários estúdios de videojogos (especialmente os seus membros administrativos), parecem ter dificuldade em perceber isto e pensam que mudanças radicais e repentinas no que foi mapeado inicialmente são necessárias para o seu melhoramento. Quando na realidade a principal consequência destas mudanças é uma equipa criativa e de desenvolvimento sem rumo, completamente perdida e sem saber para onde levar o jogo.

Não estou a dizer que algumas mudanças durante o desenvolvimento não são necessárias, claro que são, mas não quando estão são extremas e vão mudar completamente a direção definida, e especialmente não quando estas se baseiam em comparações com outros jogos em desenvolvimento e a constante necessidade de “não ficar atrás” e de copiar o que outros fazem.

Isto mostra uma completa falta de crença na equipa, no plano e no jogo em si e acima de tudo uma falta de respeito por todo o trabalho, empenho e tempo que as equipas estão a pôr no jogo. Estas acabam por se sentir frustradas e desmotivadas por terem refazer constantemente o trabalho que já fizeram (e que estava feito bem e segundo o planeado) e perdem a paixão que os levou a querer trabalhar no projeto.

Para além de que tudo isto leva ao já muito discutido Crunch, que não só desmotiva os game developers a nível profissional mas também lhes destrói a saúde mental.

No final, uma equipa desmotivada e sem direção vai obviamente levar ao que infelizmente já muito nos habituamos, jogos a serem constantemente atrasados por falta de direção e cujo produto final é desinspirado e sem paixão.

2 – Ter medo de tentar algo novo

Uma grande  reclamação que todos temos com muitos jogos AAA e que nos tem feito cada vez mais optar por jogos Indie é que a maior parte dos jogos parecem uma repetição uns dos outros, seja dentro das mesmas franquias ou mesmo entre franquias diferentes.

Muitos estúdios AAA preferem ir pelo caminho seguro e de garantido sucesso em vez de arriscarem oferecerem-nos algo inovador e apaixonante. Sim, os estúdios vão tentar vender-nos o jogo como se fosse algo inovador ou que tem um grande avanço comparativamente com os seus competidores (que hoje em dia já ninguém tem problemas em admitir que copiou a ideia porque isso já está tão banalizado), mas no final tudo isto não passa de Marketing e essas pequenas mudanças não são o suficiente para tornar o jogo inovador.

Quantos de nós estão fartos dos mesmos FPS, a disparar contra zombies e soldados inimigos; dos mesmos jogos de desporto repetidos ano após ano; ou dos mesmos jogos de arena em que só mudam os personagens?

Não estou a dizer que estes géneros não têm muitos fãs e não atraem uma grande comunidade. Os fãs destes géneros e tipo de jogos vão continuar a jogar e comprar, precisamente porque são repetitivos e porque é o que querem. Mas, uma grande maioria das comunidades de videojogos modernas quer inovação e ideias diferentes e isso não está a ser oferecido pelo constante medo do novo e não-testado.

De um ponto de vista-financeiro pode ser arriscado investir em Propriedades Intelectuais novas, tal como Jim Rayn (CEO da Sony Entertainment) disse há uns meses porque “hoje em dia desenvolver um jogo significa investir milhões”; mas se analisarmos, mesmo de um ponto de vista financeiro, o problema não está em investir em novas ideias mas em não acreditar nas mesmas.

Franquias como Horizon Zero Dawn, Dishonored ou Ori and the Blind Forest, já provaram vezes sem conta que o que a comunidade quer são novos jogos que nos fazem sentir algo novo cada vez que os abrimos. Mas os diretores dos grandes estúdios AAA continuam sem conseguir perceber a relação entre qualidade e retorno financeiro e continuam a tomar decisões com base em gráficos.

E isto leva-me ao próximo ponto.

3 – Desenvolver jogos só com base no retorno financeiro

Não me interpretem mal, o retorno financeiro é uma parte crucial do desenvolvimento de um videojogo. Sem esse retorno financeiro não existiria o investimento milionário que há na indústria, mas, tal como disse anteriormente, continuar a deixar esses investidores tomarem decisões no desenvolvimento do jogo sem que estes tenham qualquer experiência ou interesse em videojogos, tem sido um erro contínuo da industria.

Qualquer um de nós consegue com facilidade ver que jogos foram feitos seguindo direções de pessoas apaixonados pelos mesmos e quais foram feitos apenas baseados em decisões financeiras.

E isto vai muito mais para além do ponto referido anteriormente de constante repetição de jogos que parecem ser o mesmo jogo com pequenas alterações uns atrás dos outros, ou de remakes que pouco adicionam à versão anterior.

Estamos num momento da indústria de videojogos em que temos jogos (ou mecanismos dentro dos mesmos) que só existem com a intenção de fazer o jogador pagar por eles, como Loot Boxes; Season passes,  o os conhecidos Pay-to-win, que nada acrescentam a um jogo.

Com isto não estou a dizer que ter micro-transações num jogo é errado, especialmente quando os jogos são grátis como Fortnite, Apex Legends ou League of Legends. Mas quando para conseguirmos vivenciar o jogo ao seu máximo ou conseguirmos evoluir no mesmo, temos de continuar a gastar dinheiro com o mesmo, torna-se um problema e o jogo deixa de ser um jogo, mas sim uma espécie de Slot-machine.

A acrescentar a isto, os já muito falados DLC que têm de ser comprados para completar um jogo. Em vez de servirem apenas como um extra para alguns jogadores que investem naquele jogo específico, têm servido para que vários jogadores se tenham afastado de franquias que gostavam.

Repito, o retorno financeiro é extremamente importante na indústria dos videojogos, mas nunca deve superar a importância da qualidade, especialmente quando está mais que provado que jogos inovadores, com qualidade e feitos a pensar no jogo em si e não apenas no retorno financeiro acabam por gerar uma maior receita.

4 – Overhype e marketing enganoso

Com as redes sociais e a constante troca de informação, Marketing e Publicidade tornaram-se uma das partes mais importantes no lançamento de um jogo. Quando feito corretamente, pode ser o que faz a diferença entre um jogo ser visto como The next big thing ou apenas como mais um novo jogo, mas quando feito de forma errada pode completamente arruinar um jogo imediatamente após lançamento.

Mas com toda a importância que o Marketing tem, muitos dos estúdios AAA ainda não perceberam qual a melhor forma de o fazer e continuam a cometer o mesmo erro. Esta discussão ganhou mais atenção nos últimos tempos com o lançamento de Cyberpunk e com os comentários que Thomas Mahler (Produtor da franquia Ori) fez, falando de Marketing Enganador e Publicidade enganosa pela forma como CD Projeckt Red e Hello Games promoveram Cyberpunk e No Man’s Sky.

Qualquer que seja a vossa opinião relativamente ao produto final entregue com estes jogos, não há como negar Thomas Mahler quando este diz que muitos estúdios são “muito bons a vender um jogo pelo que poderiam ser e não o que realmente são”.

Ambos os jogos referidos são o exemplo perfeito do que muitos outos estúdios também fazem. Mostrar mecanismos que depois não estão presentes nos produtos finais. Focar-se demasiado num mecanismo específico como se fosse o principal do jogo, quando claramente não o será ou até simplesmente estarem mais preocupados com o Hype que criam em volta do lançamento e do jogo do que em apresentarem o produto que irão vender.

Este marketing enganoso só irá resultar consequências negativas. Por um lado, os jogadores vão ter as expectativas demasiado altas e será sempre impossível que não fiquem desapontados com o produto final, e por outro os developers estão sempre em constante pressão para tentar entregar o que está a ser falsamente publicitado quando isso muitas vezes é impossível.

Voltamos à questão de mais credibilidade no produto que está a ser desenvolvido resolveria este problema, mas os estúdios continuam a estarem mais preocupados com a perceção que o mercado tem do jogo do que no desenvolvimento do jogo em si.

5 – Constantes Mudanças na equipa

Este ponto pode ser como que uma consequência dos vários jogos que já referi anteriormente, mas ainda assim é algo que os estúdios parecem ter dificuldade em aprender.

Por vezes, irão haver mudanças nas equipas criativas que simplesmente acontecem por razões pessoais ou por outras melhores ofertas que os membros recebem, e nesse caso é compreensível e as mudanças normalmente tem poucas consequências para o projeto, acontecendo de forma suave e planeada.

Mas muitas vezes estas mudanças são forçadas e repentinas, originadas por falta de entendimento entre a equipa criativa, que se recusa a alterar a sua visão para o jogo, e a equipa administrativa, que quer controlar o jogo de forma a poderem voltar a cometer todos os erros que referi anteriormente.

Sim, as equipas diretivas têm algum poder e influência por serem quem gere o financiamento no projeto, mas estas nunca deviam ter o poder de se meter no processo criativo. 

Vezes sem conta já tivemos jogos que prometiam bastante serem constantemente atrasados e até cancelados por mudanças repentinas nas equipas criativas, que simplesmente não aguentam mais as pressões administrativas. Dead Island é um exemplo de como um jogo que prometia muito foi arruinado por constantes mudanças na equipa criativa. Mais recentemente, Vampire: The Masquerade – Bloodlines 2, foi a última vítima de um atraso por mudanças na equipa criativa por discordâncias internas.

Como um fã da franquia, espero que Vampire: The Masquerade – Bloodlines 2 apenas seja atrasado e não tenha mais consequências em termos de qualidade do produto final, mas infelizmente, a história mostra-nos algo completamente diferente.

Uma nova equipa irá vir com as suas novas ideias, que irão ser forçosamente misturadas com as já desenvolvidas ou então irão simplesmente seguir tudo o que a equipa administrativa pedir. O que raramente resulta num produto final de grande qualidade.

A produção e desenvolvimento de um jogo implicam várias mudanças e adaptações, mas sempre dentro de uma estrutura estável, o que não acontece quando mudanças de pessoal continuam a acontecer.

Os estúdios cometem erros, como todos nós e esses erros têm consequências. No caso dos estúdios, normalmente essa consequência é um videojogo de baixa qualidade. Mas é através desses erros que devíamos aprender e melhorar, e muitos estúdios simplesmente não o fazem.

Entre fingir que a culpa é do jogo e que simplesmente ninguém está interessado neste género, culpar a equipa criativa, ou até culpar a comunidade, influencers e comunicação social, os estúdios irão a qualquer extensão para culpar quem quer que seja sem ser eles próprios e os seus membros diretivos.

Na minha opinião, têm de dar mais liberdade e poder às equipas criativas. Na verdade, investir mais tempo a perceber o jogo e o público alvo e mostrar crença no jogo que está a ser desenvolvido irão resolver a maior parte destes problemas. Mas isso iria implicar pessoas que foram educadas de forma a pensar que estão sempre certas e que sabem mais que toda a gente à sua volta, admitir que isso não é verdade, o que me parece muito pouco provável.

Infelizmente, para já, acho que estes erros ainda vão durar um tempo, mas podemos ter esperança que a próxima geração de game developers e até de equipas administrativas tenham uma maior paixão pelo videojogos e pelo que estes significam para milhões de pessoas e que estes erros cada vez menos aconteçam.

Escrito por:
Diogo Gomes
Milenial com mestrado em Psicologia Clínica com especialização em Sexologia apaixonado por Artes, Videojogos e Tatuagens. Auto-intitulado Rogue que constantemente se perde na sua própria imaginação.