As Novas Cartas Portuguesas (da Sacanice)
Publicado a 14 Mai, 2021

Hoje, nas “Histórias do Lacerda”, damos espaço a duas das minhas coisas favoritas: literatura epistolar e azedume. O que vão ler em baixo é a primeira de uma série de cartas, de remetente desconhecido, que tenciono partilhar convosco. Chamei-lhes “As Novas Cartas Portuguesas (da Sacanice)”, não porque sejam remotamente parecidas com as verdadeiras “Novas Cartas Portuguesas”, mas para que, mesmo só lendo o título, percebam que estamos perante um ser desagradável e pouco respeitador do sagrado. Apreciem:

Excelso,

Tenho por si um certo apreço.

Aliás, a estima que tenho por si é tanta que a posso quantificar: tenho por si o mesmo apreço que tenho por uma fila para entrar na Primark.

Entre ter sujeitos sem máscara a derramar sobre mim, de forma sôfrega, os untuosos vapores da sua respiração suburbana ou passar tempo com a sua “pessoa”, prefiro o martírio sem nome que é privar consigo.

Se ao ler isto, sem dúvida com o auxílio de um Border Collie particularmente inteligente, sentiu o seu peito a encher-se de orgulho, é normal. A ironia, tal como viver a vida sem os hábitos, tiques e trejeitos de um orangotango drogado, nunca foi o seu forte.

Oiço dizer que não raras vezes os seus dias são pontuados com pessoas a desejar-lhe, com vigor e entusiasmo, uma viagem para bem perto do produto interno bruto dos seus intestinos.

Magoa-me sabê-lo. Se é para o mandarem à merda ao menos que o façam como a sua progenitora o fez: negligenciando todos os atos que poderiam fazer de si um ser humano decente.

Soube, por uma alma infeliz que afirma conhecê-lo bem, que a amizade é algo que valoriza. Fico feliz em sabê-lo. Assim tenho outro gosto em ignorar todas as suas tentativas de aproximação.

A minha missiva já vai longa e o seu propósito era só um: assinalar o seu aniversário. Espero que este dia seja, para si, tão bom como comer um caju frito em óleo de fígado de bacalhau.

Despeço-me com pena de (legalmente) me poder chamar de,

Avô

Escrito por:
Tiago Lacerda
O Tiago é um budista reformado que neste momento vive em Portugal, mas que já residiu no estrangeiro. Nomeadamente, no Algarve. Fala para cima de 110 línguas diferentes. Infelizmente, 108 desses idiomas só ele os entende. Tem o hábito de inventar descrições sobre si próprio e ainda bem pois é um individuo que não convém conhecer.