Em Março de 2010, no Japão, o mundo viu pela primeira vez os horrores do mundo de Attack on Titan, pelos olhos do protagonista Eren Yeager. Vimos a criança revolucionária, que se sentia presa e oprimida por criaturas distantes e desconhecidas, a ser confrontada pela chacina da humanidade pelas mãos dos Titãs – criando nela um ódio profundo e um desejo de vingânça. Esta foi a premissa apresentada ao mundo mas, depois do fim da serialização da história de Hajime Isayama e com o aproximar do fim da sua adaptação para anime, conseguimos olhar para Attack on Titan de outra forma. A luta por sobrevivência da humanidade, a guerra entre os humanos e os Titãs, já não é tão simples como uma guerra entre o bem e o mal.
Spoilers para o manga e o anime:
O que começou como uma história chocante de sobrevivência, de uma luta violenta e impossível por liberdade contra um inimigo desumano e quase inderrotável, desenvolveu-se num épico moderno e numa alegoria contra os horrores da guerra e o ciclo infinito de dor e violência que esta traz.
Hajime Isayama mostrou ao mundo a perspetiva dos humanos das muralhas de Paradis, contando a história através dos olhos de Eren – a representação do espírito da liberdade e irreverência da humanidade. Foi através destes olhos que vimos os Titãs como um inimigo impossível de derrotar e uma fonte de medo primordial contra horrores desumanos. Através das derrotas e vitórias da humanidade, fomos levados a acreditar que os Titãs eram nada mais que monstros – até à revelação que Eren era um deles.
Um momento épico para a audiência, mostrou-nos que Eren – apesar do medo e mistério em volta desta sua habilidade e natureza duvidosa – estava a ser disposto a ser um monstro para derrotar outros monstros.
Esta revelação foi apenas o inicio. Isayama introduziu Annie e a Female Titan, trazendo uma nova lente para observar o conflito da história. Se Eren e Annie são Titãs dos dois lados do conflito, existirão outros como eles? Enquanto que a humanidade das muralhas se questionava sobre a natureza dos titãs, Ymir revelou-se uma titã como Eren e Annie, com alianças dúbias, enquanto Reiner e Bertholdt mostram-se traidores – o Armored Titan e o Colossal Titan.
Entre derrotas e meias vitórias, Eren e os restantes membros do Scouts Regiment são confrontados com uma conspiração, revelando que o seu governo não só controlava a população como manipulou a verdade sobre os Titãs. Contudo, foi apenas após a derrota dos traidores que a humanidade conseguiu desvendar a verdade.
Através dos diários do pai do Eren que os Scouts descobriram que a humanidade não estava em vias de extinção. O mundo existia para lá das muralhas, os Titãs eram os seus compatriotas, e o resto da humanidade odiavam a raça humana das muralhas – aqueles que viviam na ilha de Paradis.
Este momento de viragem mudou tudo. A verdade sobre o mundo quebrou os sonhos de Eren e os seus desejos de liberdade mudaram. Num curto intervalo de tempo, o inimigo passou de ser um monstro desumano para monstros humanos e, com esta revelação, deixaram de ser monstros – tornando-se inimigos humanos.
Esta reviravolta abala o mundo das personagens, questionando a moralidade de matar outros seres humanos – mas Eren Yeager, apesar de tudo, mantem-se resoluto na sua convicção. A liberdade do seu povo – a liberdade de Paradis – só pode ser alcançada com a morte dos inimigos.
Isayama revelou as intenções finais de Eren, mostrando-nos aquilo que a guerra faz a uma pessoa. Após anos de ódio e desumanização contra o inimigo, uma pessoa como Eren é capaz de cometer horrores, de se tornar um monstro, para derrotar os seus inimigos – porque, sejam eles humanos ou não, o ódio faz de todos nós monstros. Neste momento da história, contudo, esta mensagem era ainda uma semente que não tinha germinado.
Aqui, a história de Attack on Titan retira o seu foco de Paradis e foca-se na nação de Marley. Esta é a nação responsável pelos ataques a Paradis, a nação que manipulou a verdade e a imagem de um povo para justificar a sua aniquilação. A audiência é apresentada a Gabbie, uma jovem soldado com o mesmo ódio pelo inimigo que Eren tinha. Ela representa a deturpação da juventude, da manipulação invisível da história sobre povos subjugados. Gabbie, como muitos outros como ela – jovens como Reiner e Bertholdt, no passado, e agora jovens idealístas como Falco – foram convencidos de serem inferiores e culpados pelos pecados do seus antepassados, e obrigados a enfrentar os horrores da guerra em nome de outros – tornando-se armas desumanas.
Através de Gabbie e Falco a audiência vê o outro lado da moeda, como um ciclo da guerra deturpa verdades e desumaniza pessoas para propagar violência e ódio. É através dos seus olhos que vemos os nossos protagonistas – outrora heróis aos nossos olhos – a cometerem horrores e crimes de guerra, numa missão de retaliação e resgate, orquestrado por Eren. Nos olhos de Gabbie, vemos o mesmo ódio que Eren sentiu pelo inimigo, enquanto que agora vemos os Scouts a sentirem o mesmo remorso que os seus inimigos – Annie, Reiner e Bertholdt – sentiram no passado.
A história toma uma lente de moralidade cinzenta, onde os horrores da guerra são justificados porque os inimigos é que são os monstros.
Attack on Titan culmina numa imagem de medo e horror encarnada no Rumbling, um genocídio mundial às mãos de Eren – orquestrado como a solução para atingir a verdadeira liberdade de Paradis. Para aqueles que estão a acompanhar o anime – observem as ações de Eren, e nas consequências que elas trazem, e pensem em como Eren se tornou uma vitíma e, em simultâneo, o causador do ciclo da violência e da guerra.
O épico de Isayama termina com a futilidade das ações de Eren, uma perfeita alegoria para a guerra. Apesar das suas intenções e ações drásticas, para remover o perigo dos titãs (e salvar o seu povo), Eren veio trazer mais dor, ódio e violência – através do regresso dos Titãs, as mesmas armas de guerra que ele usou.
Para além de ser uma viagem incrível, repleta de ação e momentos não só chocantes como incrivelmente humanos, Attack on Titan mostra como a guerra rouba a humanidade, não só ao inimigo mas a ambos os lados do conflito. A história de Eren Yeager é um aviso contra ciclo de violência e ódio que, se não for quebrado, irá continuar infinitamente.
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