Slashers – No fim, sobram as Final Girls
Publicado a 27 Out, 2022

Se há uns bons anos, um miúdo como eu tivesse ouvido alguém dizer “terror será o teu género favorito”, muito provavelmente ia achar que estavam errados. Sabem lá eles, sejam eles quem forem, o que eu gosto ou deixo de gostar, e porque haveria eu de querer ver pessoas a ser chacinadas. Eu queria era saber de ficção científica, aventura, comédia, queria algo fora do meu mundo, não queria ver alguém ser morto na própria casa.

Estava tão errado!

Aquilo que acabou por acontecer foi eu despertar ainda mais o meu interesse por aquela que é a sétima arte, mas havia algo em filmes de terror que me deixava mais entusiasmado. Talvez por ainda não ter idade para os ver, ou gostar de ser assustado, e ser facilmente assustado, ou pelo mistério. São tantas as possibilidades que acaba por ser quase impossível perceber qual a verdadeira razão para este género ter um carinho especial da minha parte.

Contudo, há um subgénero que ganha a tudo e todos. E este, sou bem capaz de enumerar as razões pelas quais eu gosto. Slashers. Sejam bons, sejam menos bons, seja com adolescentes ou adultos, paranormal ou uma simples vingança, que venham todos eles. Deixem-me ver o número de mortos disparar um a um enquanto facas, ganchos, motosserras, dedos com lâminas, cutelos, espetos, e mais um infindável número de utensílios do dia-a-dia, são adaptados a verdadeiras máquinas de matar.

E é sobre uma parte essencial desse género que hoje aqui vamos dissertar, assim num estilo de top aleatório sobre aquelas que são as melhores Final Girls e aquilo que as torna em ícones do género e em figuras que redefiniram toda uma indústria.

O que são Final Girls?

Ainda que este termo só tenha sido definido em 1992 no livro “Men, Women, and Chainsaws: Gender in the Modern Horror Film” de Carol J. Clover, muitas figuras femininas enquadravam-se na definição de Final Girl já desde os anos 60. Basicamente, para que uma personagem esteja inserida nesta definição, tem de possuir certas virtudes e características: não podem estar envolvidas em atos sexuais, têm um nome preferencialmente unissexo, podem ou não conhecer o assassino que as persegue e são, maioritariamente, morenas. Pode parecer algo redutor, mas isto serve para criar a ideia de inocência e vulnerabilidade essencial aos primeiros atos de um slasher.

Há também um padrão que se verifica ao longo dos anos, associado à forma como a sociedade “consome” conteúdo violento, daí que isso se também vá refletir no conteúdo do próprio filme em si. Com o despertar para perigos cada vez mais reais, em nada relacionados com cinema, começa a existir uma mudança gradual naquilo que era um slasher e uma Final Girl nos anos 60 ou 70, com aquilo que foi nos anos 90, e com aquilo que são agora. São talvez os três grandes momentos que definem uma transição e evolução no género. E é isso que iremos ver de agora adiante.

As Final Girls

Convém fazer uma breve declaração que esta não é, de todo, uma listagem definitiva e universal de quem são as melhores Final Girls. Estas são aquelas que, a meu ver, não só definiram a minha personalidade cinematográfica como um todo, mas que também formaram e revitalizaram um género pelo qual tenho especial agrado. As que vão conhecer em baixo não são as únicas, há muitas outras, mas não tiveram o impacto esperado em mim ou passaram algo ao lado.

E nenhum spoiler será feito, daí que se a curiosidade aumentar acerca de algum destes filmes, e espero que aconteça isso com todos eles, vão poder ter todas as surpresas como se nunca tivessem ouvido falar do filme.

Julie (I Know What You Did Last Summer – 1997)
Interpretada por: Jennifer Love Hewitt

Os anos 90 foram como um novo movimento para os slashers, muito graças a um outro filme que irá aparecer mais à frente. E este I Know What You Did Last Summer soube aproveitar bastante bem essa onda e criar algo de diferente. Ao contrário de outras criações, em que as vítimas são apenas alvos por terem uma relação com a personagem principal, aqui há um segredo que os une: há um ano, algo embriagados após uma festa, atropelaram um homem a meio da noite e, de forma a saírem ilesos, fizeram um pacto de nunca falarem daquele acontecimento, pegaram no corpo e atiram-no para fora da estrada. Um ano depois, alguém os começa a perseguir e suspeitam que esse mesmo homem tenha voltado para se vingar. É interessante de ver como num ambiente de grupo, e por pressão de outros, as coisas rapidamente podem descambar e nós próprios estarmos constantemente na dúvida sobre quem terá razão no meio de toda aquela chacina. Como seria de esperar, Julie, a nossa primeira Final Girl da lista, não estava muito a favor de como as coisas aconteceram naquela noite, sendo a única pela qual estamos verdadeiramente a torcer. Ela, como personagem, não é propriamente das melhores, mas soube resistir e enfrentar o vilão e tem alguns dilemas morais para lidar além de alguém a tentar limpar-lhe o sebo, daí que mereça aqui o seu lugar.

Grace (Ready or Not – 2019)
Interpretada por: Samara Weaving

Este é bem capaz de ser um dos casos que reverte aquilo que se espera de um filme deste género, sem nunca perder a essência da posição da Final Girl. Normalmente, o vilão persegue aqueles mais próximos da personagem principal e vai eliminando um a um até que ela não tenha outra opção se não o enfrentar. Neste caso, os números são invertidos, e Grace vê-se na sua noite de núpcias a ter de sobreviver a um macabro jogo das escondidas, contra todos os membros da família do noivo. É incrédulo para ela, e incrédulo para nós, mas assim que ela percebe a gravidade da situação, o caso muda de figura e é das coisas mais gratificantes que se viram nos últimos anos. Numa altura em que os filmes de terror estavam a ficar demasiado focados no paranormal e mais no foro psicológico, foi uma lufada de ar fresco, existir algo que quebra com a norma e dá-nos um excelente slasher invertido.

Rocky (Don’t Breathe – 2016)
Interpretada por: Jane Levy

Acho que até surgir Don’t Breathe, poucos filmes de terror eram associados a eventos mais gerais como os Oscars ou outros de dimensão idêntica. Não que essa associação tenha partido da própria Academia, mas já se começou a olhar para o género como algo digno de ser galardoado, graças a obras como Hereditary ou Midsommar ou ainda Get Out, que saiu um ano depois de Don’t Breathe e acabou por ganhar o prémio para melhor argumento original. Por vezes, algumas nomeações surgiam a filmes que podiam ser considerados como tal, mas era sempre muito ao de leve, não assumidamente de terror. Mas a dimensão que Don’t Breathe ganhou na altura, foi algo que até então eu nunca tinha presenciado na primeira pessoa. Todos falavam do filme, as salas estavam cheias e, mais importante, o público nem se ouvia respirar (o trocadilho foi propositado!). Mesmo que o filme em si possa estar inserido neste subgénero por uma unha negra, tem todos os elementos que fazem de Rocky uma digna Final Girl. Ela tinha um motivo mais que válido para ficar naquela situação, e as coisas escalam a um nível tal que se descrever, não iam acreditar.

Nancy (A Nightmare on Elm Street – 1984 / 2010)
Interpretada por: Heather Langenkamp e Rooney Mara (respetivamente)

Penso que sou das poucas pessoas que olha para a saga de A Nightmare on Elm Street e nunca a conseguiu levar a sério pela dose de humor crescente que existia de filme para filme. Todo o conceito do icónico Freddy Krueger é algo que me agrada, bastante, mas achar que os adolescentes que ele persegue iam ter medo genuíno de certos métodos que ele usa para os matar, nunca me convenceu. Contudo, não posso excluir a existência desta saga porque eventualmente o remake de 2010 pegou em Nancy e colocou-a num ambiente que era tudo menos cómico. A Nancy de 2010 não existiria sem a Nancy de 1984, assim como o verdadeiro pesadelo que se viu há 12 anos não ia existir se o mestre do terror, Wes Craven, não tivesse criado Freddy Krueger nos anos 80. E o medo que Nancy tem de lidar, não só a vai aterrorizar como a própria ideia de adormecer, é um vilão por si só.

Ellen Ripley (Alien – 1979)
Interpretada por: Sigourney Weaver

O medo que se fazia sentir em Alien é algo raro de se alcançar, principalmente nos dias de hoje. Mesmo a própria saga não conseguiu estender esta sensação nas entradas posteriores. Esse efeito só existia pela ausência de uma ameaça palpável durante quase todo o filme. Era possível ver o resultado que essa ameaça causava, havia vislumbres de como era, mas só mesmo no percurso final é que ela se assume para aterrorizar o espetador. Até então, sentimos a sua presença, mas o medo é transmitido por sabermos que há um ser estranho, mas ninguém sabe qual, nem onde está, nem quando pode aparecer e pode muito bem já estar infiltrado no meio deles. Literalmente no meio deles, na caixa torácica, que usam como incubadora para criar outras criaturas. Mas como Final Girl, Ripley não é menina de se ficar! Numa altura em que pouco ou nenhum destaque se dava à figura feminina, haver uma que não só encabeça um filme como ainda faz questão de fazer frente a tudo e todos, não era comum e alavancou a ela como atriz, ao filme como exemplo a seguir no género e transformou tudo e todos em ícones que ainda hoje reconhecemos num piscar de olhos.

Laurie Strode (Halloween – 1978 / 2018 / 2021 / 2022)
Interpretada por: Jamie Lee Curtis

Se olharmos para este renascer de Halloween e para aquilo que ele era em 1978, não podíamos estar a falar de duas coisas mais distintas. O primeiro era aquilo que se considera como um slow burner. Mais de metade do filme somos nós a acompanhar o dia-a-dia de um grupo de adolescentes, com as suas rotinas, nada de entusiasmante. Mas há sempre a presença do mal a espreitar ao virar da esquina. Era esse o grande mote de Halloween, que a qualquer momento, em qualquer lugar, o mal podia existir e atacar sem aviso prévio. Podia acontecer a qualquer um de nós. Muitas outras sequelas existiram, mas que agora foram removidas do alinhamento “original” e os únicos aceites pela saga são o primeiro e a nova trilogia. Tal como Freddy Krueger, também Michael Myers se tornou num ícone do cinema de terror e a par de Laurie, que abriu caminho a que tantas outras final girls existam e sejam aquilo que são hoje, são a grande dupla que dá vida e seguimento a tudo o que é Halloween. Hoje em dia, a saga está a seguir outro caminho e já nos chega com mais garra e pujança logo nos primeiros minutos. Também vive muito do embate derradeiro entre os dois personagens principais, que agora está já tudo investido em ver como é que vai finalmente acabar.

Sidney Prescott (Scream – 1996 – 2022)
Interpretada por: Neve Campbell

E chegamos finalmente ao pináculo daquilo que são os slashers, Scream. Criado por Wes Craven, o mesmo de A Nightmare on Elm Street, tinha como intuito reverter por completo a ideia que se tinha destes filmes. Sem qualquer paninho quente, uma das atrizes mais badaladas da altura, Drew Barrymore, morre nos primeiros minutos, depois de ter visto o namorado ser estripado. Ficamos logo com o recado dado que qualquer pessoa pode morrer, não interessa o grau de importância que julgamos ela ter no mundo real. As regras que se aplicam a um slasher e, consequentemente, a Final Girls, são também atiradas janela fora. E todas elas são bem explicadas no percurso do filme. Há uma certa exposição ao óbvio que nos desarma, e o facto da própria Sidney estar ciente das “regras” que a levaram a estar naquela posição, faz com que nem ela nem nós consigamos prever o que vem a seguir. Ainda bem, porque ela é muito provavelmente das melhores personagens jamais criadas dentro do género, muito em conta de a colocarem em situações convencionais com desfechos incomuns, muitas vezes vindos dela mesma. Com o passar de cada filme, ela vai amadurecendo e ficando mais desperta para aquilo que implica a sua presença, e arranja novas maneiras de conseguir dar a volta. Não só somos surpreendidos pelo famoso Ghostface, que rapidamente se tornou numa figura tão ou mais memorável que outros já aqui mencionados (ou que ficaram por enumerar), como também o somos por ela. E foi esta a famosa saga que abriu as portas a outros títulos como I Know What You Did Last Summer, do mesmo argumentista que Scream, Urban Legend, uma das sequelas de Halloween, fortemente inspirada neste filme, Wrong Turn, Valentine, e até sequelas e remakes começaram a ter palco, ainda que poucos, ou nenhuns, tenham conseguido o que este conseguiu, e ainda está a conseguir.

Degolada final

Apesar de a oferta ser muita, e nem sempre a melhor, estamos numa altura em que a procura e o acesso a estas obras também é diferente daquela de há 20 anos atrás. Há oportunidades para novos criadores, novo público que procura ter estas mesmas experiências, e um quase infinito número de plataformas que todos os dias nos dão acesso a todo um leque de final girls para conhecer.

Este é um género e uma tradição que dificilmente vai desaparecer e nunca ficará fora de moda. Resta é esperar que mentes como a de Craven, continuem a quebrar com estereótipos e a apresentar novas perspetivas.

E caso não tenha sido óbvio, faltou uma regra bem importante para que uma personagem seja considerada uma Final Girl, mas se não for claro, deixo em aberto para descobrirem.

Este artigo pertence ao especial

Escrito por:
Marco Almeida
Viciado em tudo o que conte uma boa história, desde cinema a videojogos, séries a banda desenhada, e até um bom jogo de tabuleiro. Tudo é motivo para me atirar de cabeça a universos alternativos. E já agora, o Scorsese está errado; o MCU é o pináculo da sétima arte! Quem respira, concorda!