Após salvar a vida do príncipe Eric (Jonah Hauer-King), a famosa sereia Ariel (Halle Bailey), filha mais nova do Rei Tritão (Javier Bardem), recorre a Ursula (Melissa McCarthy), a bruxa do mar, para que esta lhe conceda a capacidade de andar, mesmo que isso lhe custe a sua voz.
A adaptação live action de A Pequena Sereia foi alvo de duras críticas desde a data do seu anúncio. Colocava-se a questão da necessidade: seria realmente importante para a Disney recontar o conto clássico ou seria apenas mais um produto cuja receita, recheada de zeros à direita, entraria para a prateleira do bilhão de Alice in Wonderland (2010), Beauty & the Beast (2017) e, mais recentemente The Lion King e Aladdin (ambos de 2019).
Dissipava-se este tumulto inicial quando a Disney confirmou que, para representar Ariel, havia sido escolhida a atriz e cantora afro-americana Halle Bailey. Subitamente, a Internet dividiu-se entre defensores da ideia de que sereias são um ser mitológico, não real, e que, por isso, a personagem não teria que ser interpretada por uma atriz branca, e defensores da ideia de que ter uma atriz negra no papel principal não condiria com a Ariel idealizada em 1989, na animação clássica, o que resultou em mais de um milhão e meio de dislikes na plataforma Youtube no seu trailer de estreia. Mas afinal, perante todas estas polémicas, A Pequena Sereia de 2023, vale a pena?
Se é ou não necessário, isso ficará a cargo de cada espectador decidir. A verdade é que A Pequena Sereia não acrescenta nenhum ponto realmente relevante à história de 1989 o que, a meu ver, torna-se um problema quando falamos de um filme onde foram adicionados quarenta minutos de duração. No entanto, a Disney, contando com o poder da nostalgia a seu favor, aposta na simplicidade, criando cenários agradáveis e apostando em atuações sólidas para que o entretenimento que foi apresentado na longa metragem animada não se desvaneça neste remake. Halle Bailey decidiu silenciar todas as perguntas que se levantavam ao seu redor. entregando uma performance muito boa e revelando a capacidade de equilibrar a complexa narrativa que lhe é atribuída com a inocência própria da personagem. Para além disso, é extremamente carismática e dona de uma voz espetacular, presente tanto nas famosas canções do filme de 1989, como nas quatro novas composições da autoria de Alan Menken e Lin-Manuel Miranda, nomes de peso que se juntam também ao projeto.
Melissa McCarthy entrega uma atuação sólida ao representar a icónica vilã Ursula, principalmente marcante na sua primeira aparição. A leve repaginação da personagem, tornando-a mais humana e menos “cartoonesca” não me incomodou. Creio que ter uma atriz experiente como McCarthy no papel acaba por ajudar muito nas interações de Ursula com os outros personagens, agindo de forma mais sádica, embora sensível, junto à Ariel e agindo, por sua vez, de forma mais imponente nos duelos que trava com o Rei Tritão. Já não posso dizer o mesmo do próprio Rei Tritão, de Javier Bardem, uma vez que sou obrigado a mencionar uma ligeira deceção ao ver um ator como Bardem apenas ter alguns minutos de ecrã. Saí da sala com a impressão de que nem o ator se dedicou muito ao projeto, nem o projeto se esforçou muito para dar ao ator uma narrativa mais complexa para o seu personagem. Já Daveed Diggs, Awkwafina e Jacob Tremblay, que dão a sua voz ao Sebastian, à Scuttle e ao Flounder respetivamente, cumprem o seu papel enquanto personagens de apoio. No entanto, na minha opinião, não cheguem sequer perto do carisma dos personagens da animação clássica de 1989. Mas será apenas culpa dos atores ou a estética escolhida para o remake não ajudou?
A partir do momento que a Disney decidiu tornar as suas histórias clássicas em filmes live action, uma questão tem vindo a dar trabalho à empresa: ao recriar uma história fantástica, é necessário humanizar ao máximo personagens não humanas? E a Disney parece ainda não ter a resposta certa para tal pergunta. Quando optou por uma versão completamente “humanizada” para os animais de The Lion King, foi criticada por retirar as emoções dos personagens. Quando refez o Pinóquio, no longa metragem de 2022, como uma versão mais realista mas com os mesmos traços do personagem do filme clássico, voltou a ser criticada, desta vez porque este parecia não se encaixar na estética do filme.
Na minha opinião, esta questão volta à tona em A Pequena Sereia como um dos pontos negativos do filme. E é um caso curioso uma vez que as cenas fora do mar ou dentro dos navios funcionam para mim, tal como as cenas coloridas do fundo do oceano. O que não resultou foi a sua junção, que tenta constantemente estabelecer uma ponte entre ambos os tons. mas que acaba apenas por tornar a estética do filme confusa. Passamos diversas vezes de uma cena intensa e escura no interior de um barco, onde a equipa de direção artística do filme me remeteu imediatamente para Piratas das Caraíbas, também da Disney, para uma cena extremamente alegre, repleta de peixes coloridos, no fundo do mar. E, acaba por ser devido a este dançar entre extremo realismo e aventura fantástica que personagens como o Sebastian, o Flounder e a Scuttle perdem características “cartoonescas”, que a princípio não me incomodaram, mas que fica nítido à medida que o filme avança. Uma personagem como o Flounder, por exemplo, perde expressões que o tornavam puro e engraçado na versão original. Para o espectador é diferente criar empatia por um peixe simpático e expressivo ou por um simples peixe comum, mas que fala.
Em junção com a indecisão da equipa de direção artística do filme, o meu segundo ponto negativo da longa metragem está nos efeitos visuais. Aquando do lançamento, vários meios de comunicação revelaram que o filme teria partes gravadas debaixo de água, visando um maior realismo nas cenas que retratavam o fundo do mar. No entanto, na edição final torna-se nítido que a maior parte dessas cenas são gravadas com os atores no ar, auxiliados por cabos, à frente de uma green screen, de forma a ser menos dispendioso. No entanto, esta solução acaba por pecar no realismo, parecendo que os atores ficam “a flutuar” em diversas cenas da longa metragem.
De uma forma geral, A Pequena Sereia de 2023 trata-se de um filme divertido e para toda a família. É então necessário? Talvez não seja, mas também seria injusto afirmar que a Disney juntamente com Rob Marshall, que dirige o filme, fizeram um mau trabalho.
Nostálgico, com atuações sólidas e uma experiência visual que visa entregar a mesma dose de entretenimento que o espectador recebeu ao ver o clássico de 1989.
Esta análise foi possível com o apoio da NOS Audiovisuais!
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