Em Being the Ricardos temos um vislumbre da personalidade enigmática de Lucille Ball (Nicole Kidman) como um todo. Aaron Sorkin leva-nos para além do seu talento óbvio para a comédia e coloca-nos durante uma semana complicada da série I Love Lucy, protagonizado por Ball e o seu marido dentro e fora da tela, Desi Arnaz (Javier Bardem). Ocorrendo ao longo de um único episódio do programa, desde a primeira leitura do guião até à gravação ao vivo, o filme desenrola-se principalmente pelos estúdios de Hollywood e bastidores do relacionamento em ruínas entre Ball e Arnaz. Com as sobrancelhas finas, caracóis ruivos e uma coragem única para uma mulher naquela época, Ball era conhecida e amada pelo seu papel de protagonista na comédia dos anos 1950. No entanto, Kidman e o guionista e realizador, Aaron Sorkin, não estão interessados em recriar o seu dom para a comédia física, mas sim em desenvolver o seu lado sério. Ela era a ruiva favorita da América, Arnaz era o seu glamouroso marido, e juntos eram adorados por milhões.
O filme, assim com Lucille, é obcecado em desconstruir um bom argumento, em aprimorar a forma como uma piada cai e garantir a motivação clara da personagem. Being the Ricardos re-imagina o que aconteceu em 1953, depois que o poderoso jornalista da empresa cor-de-rosa, Walter Winchell, lançou o boato sobre Lucille Ball e a sua filiação ao Partido Comunista. A ser verdade, e na altura, esta afirmação poderia ser potencialmente destruidora de carreiras e vidas. Com este ponto de partida, Sorkin acompanha então a forma como Lucy e Desi navegaram esta crise, a sua série de sucesso e o seu casamento tenso ao mesmo tempo. Adotando uma abordagem de “esperar para ver”, Lucille atira-se de cabeça na preparação do próximo episódio, criando uma tensão palpável entre os escritores e produtores.
Sorkin faz ainda uma jogada de mestre ao mudar o momento da segunda gravidez de Lucy, para que ela e Desi a anunciem para os colaboradores e executivos no momento em que o boato começa a correr. Esta pequena mudança adicionada ao escândalo, aumentando o drama e a comédia. Afinal de contas, na altura “não se podia ter uma mulher grávida na televisão”, dando aos executivos algo mais com que se preocuparem e terem de lidar para além de tudo o resto. Vimos depois a descobrir que não haveria motivos para s preocuparem, visto que se provou ser um golpe de audiência.
Sorkin acrescenta ainda camadas às personagens, especificamente Lucy, afastando-a da sua versão no ecrã, quando nos afundamos na sua vida pessoal. Passamos a ver uma Lucy que diz asneiras e que confronta o marido, enquanto no seu programa isto seria impossível. O seu amor na televisão tem de transparecer para as audiências como palpável e irradiante. No entanto, embora tenha sucesso neste retrato mais humano da esposa e mulher de casa, fica a dúvida se Sorkin falha ao criar uma Lucy que aparentemente pouco se interessa pela política, principalmente quando se vê envolvida no rumor que dá o mote ao filme. Talvez seja devido à época em que a história se desenrola, em que Lucille Ball acaba por ter de se transformar, por necessidade, numa mulher que se atira com tudo o que tem para o aperfeiçoamento do argumento como forma de distrair o público e salvar a sua carreira e casamento. Quando na realidade é difícil de acreditar que Ball não estivesse mais envolvida na política, importando-se apenas com o limpar da sua imagem quando a notícia se começa a espalhar. Como a intenção não fica clara, isto acaba por prejudicar e achatar a personagem, apesar dos esforços de Kidman.
A narrativa não-linear não esconde o fato de que Being the Ricardos acaba por ser mais uma cinebiografia convencional, que não ousa ou arrisca, confiando demasiado nas performances sólidas dos protagonistas para cativar o público. No fim, Sorkin deixa-nos com a envolvente história do casal icónico e do programa que alterou para sempre o cenário da televisão, o que resulta num filme que entretém e que, para quem é familiar com o famoso programa I Love Lucy, nos envolve numa nostalgia cativante.
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