Após 3 filmes e um hiato de quase 4 anos, causa de sucessivos adiamentos provocados pela pandemia COVID-19 e compromissos com Matrix Resurrections, Keanu Reeves está de volta à saga John Wick, que se mostra mais viva que nunca. Quem diria que o sleeper hit de 2014 se iria transformar num dos maiores franchises de ação dos últimos anos e atingir o seu auge no quarto filme, praticamente duplicando tanto em duração como em orçamento. Contudo, é isso que recebemos em John Wick: Capítulo 4: um colosso de 169 minutos repleto de tiros, porrada e muita adrenalina, e a certeza de que, em nenhum momento, estaremos aborrecidos.
John Wick 4 começa onde o anterior deixou: John Wick continua em fuga da High Table, e procura a sua liberdade, sabendo que para a alcançar terá de enfrentar poderosos adversários. No entanto, sejamos honestos. O enredo não é, de todo, o foco da saga John Wick. Estamos aqui para ver porrada, e é aí onde o filme se destaca. Já nos parece bem distante a altura em que os filmes à la Bourne usavam e abusavam de shaky cam, cortes rápidos e planos fechados nas suas sequências de ação, que, embora eficazes a imprimir um ritmo frenético ao filme, cansavam sobremaneira. E isto, graças, em grande parte, ao sucesso de filmes como John Wick, que se revelou uma verdadeira lufada de ar fresco no género. Aqui, ganha maior importância a coreografia nas cenas de luta, visto que, com planos mais abertos e takes mais longos, podemos realmente ver o que se passa à nossa frente. E essa luta, seja no corpo a corpo ou com armas (até com nunchucks e lápis) é sublime. Já o era no primeiro filme, e é agora ainda mais ambiciosa, com diversas sequências que ficam na retina e na memória.
Obviamente, este não é o tipo de filme em que é esperado uma performance dramática transcendental de qualquer dos seus atores (nem ninguém quereria isso, convenhamos). Mas grande parte do que faz a ação parecer tão fluida e genuína cabe aos atores. Aqui, Keanu mostra que os seus 58 anos de idade são só no papel e reforça o seu estatuto de protagonista de ação capaz das mais variadas acrobacias, e sobressai, num trabalho que muitas vezes damos por garantido. A ele junta-se Donnie Yen, que mostra que também está aí para as curvas, como Caine, um assassino badass da High Table, contratado pelo Marquis Vincent de Gramont, interpretado por Bill Skarsgård de forma convincente. Yen é uma excelente adição, particularmente em cenas de luta, não fosse ele um verdadeiro profissional de artes marciais, num papel algo familiar a fãs de Rogue One. Como uma espécie de anti-herói, está Shamier Anderson, interpretando Mr. Nobody, outro personagem encarregue de matar John Wick. Embora entenda o que o traz à narrativa, considero que o seu encaixe não é tão natural como devia, num filme que já tem várias figuras antagónicas. Laurence Fishburne, Ian McShane e Lance Reddick (num dos seus últimos papéis) cumprem na sua função secundária como Bowery King, Winston e Charon.
Visualmente, não há muita volta a dar. O filme é lindo. Dan Laustsen regressa à direção de fotografia, e ostenta. Seja com néon noturnos, golden hours no deserto ou o simples nevoeiro que cobre a torre Eiffel como pano de fundo, cada frame é tão rico e exuberante como a arte que veste as paredes das galerias que o filme visita por esse mundo fora. Chad Stahelski junta-se a esta masterclass e, na realização, mostra que cada cena foi montada ao detalhe, com movimentos dinâmicos e fora da caixa, que permitem ao espectador inserir-se nos duelos de uma forma completamente diferente, mas muito imersiva. Igualmente, é inquestionável a tarefa da trilha sonora de Tyler Bates e Joel J. Richard de pautar os momentos de clímax do filme. Nestes, tamanha era a ansiedade que, sem notar, proporcionei ao público da minha fila uma autêntica sessão de 4DX no que ao abano das cadeiras diz respeito. Não seria descabido que qualquer um destes fosse nomeado a óscares (principalmente a cinematografia) ou, num ato de justiça, fosse finalmente reconhecido o trabalho dos duplos (de John Wick e não só), e criada uma categoria relativa a estes. Fica a dica, academia.
“Então o gajo cai de um terceiro andar e esmaga um carro, leva porrada até dizer chega, e levanta-se só com uns arranhões?”; “Como é que o John Wick disparou 57 balas e meia sem recarregar a pistola na sequência de perseguição na moto?”. Se questões como estas vos incomodaram ao assistir, este poderá não ser o vosso tipo de filme. Embora seja firmado numa realidade minimamente plausível, não há como negar que John alcança uma figura quase divina, quase um super-herói, tão grande é a sua recusa em morrer. E isto não é algo necessariamente negativo. Apenas, com novas e maiores cenas de ação, temos de aceitar que as regras do mundo de John Wick vão-se afastando da realidade, e dão-se ao luxo de cair em alguns clichês e atingir alguns absurdos, embora sempre para nosso entretenimento. Até tem um tanto de poético (e cómico) vermos o Caine, de Donnie Yen, cego, a atirar com precisão extraordinária ou John a aproveitar o infinite ammo glitch enquanto tem vestido um fato e gravata de kevlar. “É um filme…”. E, em nome do puro filme de entretenimento, parece-me uma troca razoável.
Numa altura em que temos sido premiados todos os anos com filmes de ação notáveis, John Wick: Capítulo 4 sobressai dos demais com visuais de qualidade e cenas de ação memoráveis, elevando ainda mais o que nos foi apresentado nos capítulos anteriores e deixando o futuro da saga em aberto para os próximos. Um grande filme que seguramente satisfará fãs e converterá quem ainda não o é.
Esta análise foi possível com o apoio da Pris Audiovisuais!
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