I’m only Judy Garland for one hour a night. The rest of the time, I’m part of a family.
A frase célebre que Judy Garland diz numa entrevista na televisão britânica é a baseline deste filme. Na realidade parece que por vezes nos esquecemos que estes artistas que passam a vida debaixo do holofote são também pessoas e não apenas marionetas ao serviço da indústria. O filme passa-se, com raras excepções de alguns flashbacks para a sua juventude, durante um espaço de tempo em 1969 em que Judy Garland, falida e a lutar para fazer uma vida junto dos seus filhos, faz uma série de concertos em Londres num último esforço para ganhar dinheiro.
A primeira cena que abre com o rosto de uma jovem Judy no set de Wizard of Oz, o filme que a catapultou para a fama, é extraordinariamente bela e estabelece a relação com Louis B. Mayer o chefe dos estúdiod MGM. Esta relação abusiva é a causa da grande maioria dos problemas que Judy iria enfrentar ao longo da sua vida, principalmente o seu vício com comprimidos. É destroçador ver a maneira como é tratada, a violência psicológica que sofreu e as consequências que a longo e curto prazo este tipo de comportamento causam em alguém.
Adaptada por Tom Edge a partir da peça de teatro End of the Rainbow de Peter Quilter, e realizada por Rupert Goold, este filme torna-se uma homenagem à discografia excelente que Judy nos deixou e é, sem dúvida, um desafio às capacidade de Zellweger como atriz e cantora. René Zellweger, porém, não se transforma completamente em Judy, a sua performance é credível do ponto de vista da interpretação de uma cantora em exaustão mental, mas não é a cópia da personalidade de Judy, tão característica e que a maioria das pessoas lembra tão bem. No palco existem momentos em que René desaparece e algo mágico acontece, mas não compensam o resto do filme. Sabíamos por causa de Chicago que René não era novata no mundo dos musicais, mas esta performance é diferente. A sua postura e voz trazem Judy de volta à vida por uns breves minutos e a maneira como entrega algumas das falas mais cómicas é feita de uma forma soberba, mas ficamos a querer mais excentricidade.
Os flashbacks são tristes e partem-nos o coração, e o presente segue na mesma linha. Vemos o seu estado de espírito interior, a sua luta pela custódia dos filhos, tudo enquanto tenta manter uma carreira que a consome e da qual quer descanso, mas que ao longo do tempo foi a única coisa que a fez feliz. Nasceu para estar no palco, para ser uma performer, é a única coisa que sabe fazer e não sabe quem seria se não o fizesse.
O filme retrata ainda como o público a adora e detesta de um momento para o outro, criticando uma sociedade em que não se perdoam erros ou deslizes, em que os artistas têm de ser perfeitos, existindo apenas para o nosso entretenimento. As pessoas à sua volta parecem não querer saber do seu bem-estar, apenas que faça o seu trabalho, o que cria em Judy um sentimento de ser apenas um adereço, uma maneira dos outros ganharem dinheiro. Todos enriquecem à sua custa menos ela. A Judy que é retratada neste final de vida é a da mãe preocupada, da lenda devorada pela fama, contudo não se foca na outra faceta tão conhecida de Judy pelo público, a que ameaçou atirar-se da janela em frente a um dos filhos ou a que atirou uma faca a outro. A sua história no todo parece não ser apresentada, mostrando apenas as partes que nos fazem ter empatia, compreender o horror da sua vida. Uma vida estragada por um estúdio que a tratava como propriedade, que a viciou em comprimidos, que não a deixa comer, que lhe diz que é feia, que não a deixa de dormir, que a faz trabalhar sem parar.
Judy, o filme, tenta trazer alguma luz a uma vida obscura, de vícios e tentativas de suicídio, de fortunas perdidas e infância roubada, mas não posso deixar de me questionar se não daria um filme melhor falar antes dessas sombras que rodeavam Judy em vez de escondê-las.
No fim, o sentimento que fica é que o filme é bom mas que queríamos ser mais entretidos, principalmente quando se trata da biografia de uma das maiores personalidades de entretenimento da história da música.
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