Herman Mankiewicz, como tantos outros escritores que foram para Hollywood em busca do sucesso no showbiz, acreditava que os filmes eram uma brincadeira, chegando mesmo a escrever que a “sua única competição são idiotas”. Começou por trabalhar como repórter, tornando-se posteriormente um crítico de teatro até que em 1926 consegue um emprego na Paramount. Mankiewicz aos poucos tornou-se um amargurado acumulador de vícios, que incluíam o jogo e o álcool, mas que não acabavam por aí. Em 1940, havia irritado todos os que não devia a ponto de ser relegado a fazer trabalhos não atribuídos, quer isto dizer, trabalhos que não recebiam crédito no final do filme, entre eles o de polir roteiros como O Feiticeiro de Oz e que culminam num dos maiores filmes já feitos: Citizen Kane.
Mankiewicz inicialmente concordara em trabalhar no roteiro de estreia de Orson Welles sem qualquer reconhecimento público, mas rapidamente decide lutar para dividir o crédito. Apesar do filme acontecer durante o período em que Mankiewicz, doente e resmungão, se vê numa corrida contra o relógio para terminar o seu primeiro rascunho, Mank não está ainda na fase de reclamar a questão da autoria. Em vez disso, o filme, que é periodicamente deslumbrante, mostra-nos Mankiewicz como um herói trágico, voltando aos dias da sua época de ouro contrastando com a grande depressão que o país estava a atravessar.
Grande parte da trama diz respeito ao apoio aberto de Mayer e Thalberg, à campanha de reeleição do governador da Califórnia contra o jornalista Upton Sinclair, ao lado do magnata William Randolph Hearst, considerado a inspiração para o faminto por poder Charles Foster Kane. A presença de Mank nos luxuosos salões de festas de Hearst, e a sua eventual desavença, servem como a centelha criativa que ele precisa para escrever Citizen Kane, e as cenas em que os dois se encontram são notoriamente sagazes e cativantes.
Como Mank, Oldman é um alcoólatra espirituoso, ironicamente desdenhoso em relação à arte de fazer filmes, em parte porque acreditava que a sua natureza inerentemente colaborativa diluía a contribuição de todos os envolvidos. As suas melhores cenas são com Amanda Seyfried como a atriz Marion Davies, em que Seyfried é notável, infundindo a amante de longa data de Hearst com coragem e autoconsciência que permite que ela tenha conversas atenciosas com Mank, a única pessoa que parece levá-la a sério.
Fincher é um diretor demasiado bom para fazer algo desinteressante do ponto de vista de realização e cinematografia. Mesmo quando Mank parece sem rumo, é deslumbrante na sua fotografia a preto e branco, as suas ocasionais referências a Kane e o seu uso divertido de formas diferentes para indicar. Esses toques dão a Mank um certo carisma no meio de uma história que não nos leva a lado nenhum, realmente, até ao seu ato final, em que se torna um filme sobre alguém que percebe que é, na verdade, o idiota, aquele que não conseguiu entender a dimensão que o cinema viria a ter. O filme rapidamente se torna na busca de um Mank mais adulto em se agarrar ao seu dom, com as palavras como a janela pela qual ainda pode tentar entrar depois de todas as portas já se lhe terem sido fechadas e trancadas.
No seu todo, é um filme que parece ter sido feito mais para a crítica e para historiadores do cinema do que para o público em geral, o que o torna difícil de disfrutar nas suas três horas de duração, visto que muito acaba por passar despercebido e nos fazer sentir como impostores na sala de cinema (ou neste caso, na sala de estar). Talvez o projeto mais ambicioso da Netflix a nível de filmes até hoje, é interessantíssimo para os amantes do cinema clássico e, sem dúvida, um concorrente forte a vários prémios, mas que no fundo deixa a desejar ao simples espectador.
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