Um asteroide vai chocar contra a Terra em seis meses. É um facto, mas isso não chega. No novo filme de Adam McKay Não Olhem Para Cima, algo tão simples e óbvio como a inevitável destruição do planeta é objeto de dúvida, de discussão política, de polarização. O que deveria ser um assunto sério torna-se um circo mediático, e assim nasce esta comédia.
Não Olhem Para Cima não é uma comédia convencional. Não tem momentos de gargalhadas efusivos. Não ficamos com a lágrima no canto do olho de tanto rir. Neste filme, a comédia é a própria absurdidade a que o ser humano pode chegar e que nós conseguimos reconhecer cada vez mais nos dias de hoje. Inteligentemente, o que categoriza este filme como uma comédia é a própria natureza humana ridícula e imperfeita. O diálogo não é engraçado por si só, as performances tão pouco, mas no seu conjunto resulta, porque se traduz no ecrã como algo real. No fundo, rimo-nos para não chorar. Embora a premissa de um asteroide prestes a embater no nosso planeta pareça distante, a metáfora que este encerra para problemas reais, presentes e eminentes, como por exemplo o aquecimento global, está mais perto do que nunca. As reações que vemos no ecrã são as que vemos na rua: não acreditar na ciência, ignorar os avisos, politizar o futuro. Material perfeito para uma sátira ao estilo de Adam McKay.
Quando a aluna de doutoramento, Kate Dibiasky (Jennifer Lawrence), descobre um cometa com cerca de 9 km de largura que está em rota de colisão com a Terra. Um autêntico “assassino de planetas”, como lhe diz o seu professor, Dr. Randall Mindy (Leonardo DiCaprio). Ficamos com a certeza de o fim do mundo está a caminho, a menos que se faça algo. “Todos nós vamos morrer!” Kate grita num popular programa das manhãs. E o que resulta do pânico fundamentado de uma cientista especialista no assunto? Exatamente, o imediato rótulo de louca e a criação de diversos memes com a sua cara. Afinal, este é um filme contemporâneo.
Quando Kate e o seu professor tentam avisar a corrupta presidente dos Estados Unidos, que em muito faz lembrar Trump, interpretada por uma sempre brilhante Meryl Streep, e o seu filho/chefe de estado (Jonah Hill), estes são apresentados a tantos cenários de fim do mundo, desde mudanças climáticas a poluição, terrorismo a ameaças nucleares, que rapidamente percebem que este problema é, para a presidente, apenas mais um na sua agenda. No seu rumo às próximas eleições, e que só quando se tornar relevante para as ganhar ou perder é que algo será feito. Dentro dos muitos temas em jogo, o facto de que “o poder corrompe” certamente está na mistura, já que Kate é rapidamente tirada de cena para não se meter no meio do plano de fundo que está em curso.
E que grande plano é este? Ora vejamos, com um elenco de luxo, Não Olhes Para Cima reúne para além duma presidente envolvida num escândalo que ameaça a sua posição política, e que à luz dos recentes acontecimentos vê o seu governo explorar o evento em nome do espetáculo patriótico; e o seu filho parasita que tresanda a nepotismo e faz lembrar a vulgaridade de Don Jr. e o oportunismo de Jared Kushner; os apresentadores de um programa matinal (Cate Blanchett e Tyler Perry) conhecido por reduzir os assuntos mais importantes a conversas estúpidas de bem-estar; e um jovem niilista (Timothee Chalamet) que, paradoxalmente, acredita num poder superior. Temos ainda um bilionário socialmente desajeitado (à la Elon Musk) que descobre no eminente asteroide destruidor de planetas a solução para aumentar as suas margens de lucro, que obviamente têm precedência sobre salvar os outros 99,9% da população.
Soa familiar? De facto, utilizando alguns dos melhores atores em atividade hoje em dia, McKay investiga vários elementos da sociedade americana e como cada um reage a essas notícias. Naturalmente, alguns acham que tudo não passa de uma farsa, mesmo que visivelmente o asteroide vá na sua direção, ficando a maioria da população colada aos seus telefones e não levando a ameaça a sério – afinal o problema é para os outros resolverem, não?
Para além disso, McKay debruça-se sobre a influência das celebridades no panorama político e formador de opiniões. O facto como as notícias, que obviamente são mal divulgadas e mal representadas pela imprensa, parecem servir apenas os seus próprios fins. A desacreditação da ciência em favor das empresas bilionárias que podem comprar o futuro do indivíduo, ditar a sua vida ou o seu fim. Consegue ainda encaixar uma crítica ao culto das celebridades com a traição e o noivado de duas estrelas pop a roubar o holofote ao fim do mundo nas redes sociais. Em quase todos os casos, a conclusão de McKay parece ser que a maioria das pessoas são idiotas, com muito poucas exceções.
No entanto, não podemos culpar a capacidade de McKay de tecer uma história exagerada de estado da nação, que fala muito diretamente a tudo o que está acontecer agora. O filme acaba com a fala do professor astrofísico “Realmente tínhamos tudo, não tínhamos?” segundos antes do fim do mundo. Um comentário que nos chama a intervir, que nos faz refletir no quanto a salvação do planeta, deste pequeno oásis flutuante que nos sustenta, nutre e nos mantém vivos, está nas nossas mãos. No entanto, continuamos a destruir quaisquer oportunidades que temos de consertar isso.
A realidade é que o filme acaba e a maioria irá desbloquear o telemóvel e voltar para o seu dia a dia. Embora o filme falhe em diversos aspetos, como uma certa falta de nuance e subtileza ou um diálogo que poderia ser mais trabalhado, o seu todo resulta, principalmente nos seus últimos quinze minutos em que somos chamados a refletir sobre o que temos e estamos em risco de perder. Não é um filme com piada, mas é uma sátira bem conseguida, com performances sólidas e uma história relevante que não surpreendendo, não desilude.
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