Filmes de “horror” são aquele género que deixa uma pessoa sempre com a pulga atrás da orelha visto que a linha entre algo extraordinário e algo absolutamente intragável é finíssima. Quando se trata de Jordan Peele, no entanto, atrever-me-ia a apostar que a linha é quase inexistente – está para vir o filme que este senhor não acerta por completo.
Ainda assim, nunca se sabe, e por isso, Nope tinha tudo para correr mal: as expectativas eram altas, o trailer pouco dizia. Filmes como Jaws ou Jurassic Park encontraram sucesso não pela sua entrega por completa ao horror, mas como veículo para o mesmo, e atrevo-me a dizer que Nope entra para o mesmo patamar. Ainda demasiado recente para se tornar um filme de culto, o caminho está já traçado. Não é um filme de terror em si, mas um filme com aresta, que brinca maravilhosamente com a tensão e consegue em cada cena manter as coisas interessantes. Não faltando, como teria de ser, talvez um susto ou dois.
À primeira vista, Nope parece mais um thriller de ficção científica do que um filme de terror. Mas do que trata em concreto e em abstrato?
Nope é uma representação subtil e incrivelmente realista de dois irmãos que lutam contra um inimigo sobre o qual eles não sabem quase nada. Se fosse um assassino em série, um animal selvagem, ou outra coisa qualquer, este filme poderia ter sido formulado. Mas um casal de humanos, junto com os seus amigos, a fazer o possível para defender a sua propriedade contra um inimigo cujo temperamento e habilidades são completamente desconhecidos. Que forma extraordinário de elevar a fasquia. Acima de tudo, Peele apresenta-nos uma maneira totalmente nova de olhar para um filme alienígena. Todos nós já vimos os clássicos do género, em que experimentamos o tipo de invasão em grande escala, mas quantos nos reduzem para uma pequena casa num desfiladeiro e nos consegue deixar assim? É uma visão totalmente nova.
E isso nem toca nos elementos temáticos envolvidos, isto é, na parte abstrata. Para quem já viu Nope, sabe que existe um chimpanzé muito prevalente, cuja história entra em jogo em momentos chaves e bizarros. É difícil não ver o paralelo entre o chimpanzé e o extraterrestre, mas a resposta humana é mais importante aqui. É aqui que a personagem de Steven Yeun se revela irrepreensível. Embora não seja um dos personagens centrais, é fundamental para entender as ideias de exploração e espetáculo claramente examinadas aqui. Ricky “Jupe” Park teve um evento traumático como jovem ator e que o marcou. Não vou estragar o que acontece a seguir, mas olhando para a experiência conduzida pela sua personagem, vemos que os humanos têm uma longa história de exploração de criaturas que consideramos inferiores. Animais e seres que acreditamos que podemos controlar são apenas uma desculpa para formas como podemos promover as nossas próprias agendas pessoais.
Outra ideia secundária apresentada em Nope é a de que o espetáculo de uma pessoa é a ruína de outra, é algo também digno de se notar. Enquanto Ricky estava a inventar o ato perfeito para o seu espetáculo, os irmãos Haywoods (Daniel Kaluuya e Keke Palmer) procuram defender o legado da sua família da aniquilação alienígena causada por este. Frequentemente, as pessoas esquecem-se de ter em consideração o dano que as próprias ações podem causar a pessoas que nunca conheceram.
Por último, seria impossível não destacar as performances de excelência que Nope nos oferece. Tanto Keke Palmer quanto Daniel Kaluuya são incríveis nos seus papéis. Desde o início do filme até ao fim, o vínculo entre irmãos é mais do que aparente entre esses dois. As brigas, o amor e os instintos protetores são qualidades de irmãos e irmãs, mas Palmer e Kaluuya encontram uma maneira de tornar o vínculo dos irmãos Haywood absolutamente único. Ambos são atores incrivelmente habilidosos e poderosos, então vê-los juntos na tela foi magia. Para quem ainda não viu, Nope é sem dúvida dos filmes mais originais e interessantes do ano e que tem muito mais a discutir do que apenas a natureza assustadora dos alienígenas.
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