Em Os Olhos de Tammy Faye, vemos a jovem Tammy (Chandler Head) anseia por ir à igreja em International Falls, Minnesota, onde todos os congregados parecem possuídos por uma força divina, mas o facto da sua mãe (Cherry Jones) ser divorciada é escandaloso, e elas não são bem-vindas. Ainda assim, Tammy esgueira-se e acaba por ir, e tal é a experiência transcendente da religião que tem que culmina a contorcer-se no chão e a falar em línguas, o que com certeza é uma maneira auspiciosa de experimentar pela primeira vez a alegria da missa e, especialmente, de se tornar a imortal Tammy Faye.
Saltamos para 1960, onde Tammy Faye (Jessica Chastain) frequenta a faculdade bíblica onde conhece Jim Bakker (Andrew Garfield) e ambos acabam por se apaixonar e convencem-se de que o seu Deus não quer que sejam pobres. Em 1965, estão casados e a começar a realizar o seu sonho de espalhar a palavra sagrada (e encher os bolsos), através de uma turné de evangelização com Jim a pregar e Tammy Faye a cantar e com os seus espetáculos de marionetes.
Rapidamente a coisa evolui para uma carreira de televangelismo com 20 milhões de espectadores, todos os quais praticamente enviam dinheiro aos Bakkers. Dinheiro esse que eles colocam em contas à parte, quando não o usam para financiar o seu estilo de vida de luxo. Parece que as pessoas estão apaixonadas, hipnotizadas e deslumbradas com os personagens dos Bakkers, e que o seu plano está a ter sucesso.
Aos poucos a sua relação perde relevo na história, ficamos a saber que o casamento começa a dar para o torto, que tiveram filhos, ou assim se assume, e o que passa para primeiro plano são os rumores de disparidades financeiras, dos quais parece que Tammy Faye é meio que deixada de parte. Afinal de contas, ela é a heroína da história, a sua integridade tem de ser mantida, o estabelecer do seu carácter correto é obviamente notório por parte da história, salientando o seu lado mais humano que não condena as pessoas doentes com HIV, naquela altura maioritariamente homossexuais, contrariamente à posição da igreja que ela tanto acredita. Tudo isto ajuda a construir uma personagem cujo império aos poucos começamos a perceber está destinado a desmoronar sob o peso da sua própria ganância e falibilidade.
Os Olhos de Tammy Faye falha em vários detalhes de narrativa, mas felizmente, Chastain dá uma performance convincente e complexa por baixo de uma caracterização que deixa a desejar. A performance implica que ela foi motivada pelo desejo de atuar, de amar e ser amada e, por extensão, de usar a sua plataforma para o bem. Claro, não deixa de ser cúmplice de todas os crimes do marido e deve assumir alguma responsabilidade pelas suas más condutas, mas sai por cima. Um papel estabelecedor da carreira de Chastain, que a fez ganhar uma nomeação merecedora por parte da Academia. Garfield encontra-a nesse caminho e dá mais uma grande performance que juntamente com o seu retrato de Jonathan Larson em Tick, Tick… Boom! (e obviamente o seu regresso como o fantástico Homem-Aranha), estabelece o ano de 2021 como um dos melhores da sua carreira.
Os ângulos convencionais do filme fazem com que pareça uma oportunidade perdida, um passeio preguiçoso e estereotipado que se apoia demasiado nos atores carismáticos. O roteiro aborda a crescente influência política de direita numa cena ou outra, colocando-o em desacordo com as tendências culturalmente liberais de Tammy. No fim, Os Olhos de Tammy Faye nada mais do que reitera altos e baixos biográficos já familiares pelo seu valor de entretenimento, e anteriormente abordados num documentário do ano 2000 com o mesmo nome que reformulou, de forma divertida, o legado de uma mulher muitas vezes ridicularizada pela sua imagem e acusada de enganar os seus leais seguidores.
Após uma viagem estereotipada da subida e posterior queda do pedestal, saltamos para os meados dos anos 90, enquanto Tammy Faye vasculha os pedaços restantes de sua vida despedaçada. É um trecho comovente e mais meditativo que mostra Chastain dando talvez uma das suas melhores performances, à medida que os tiques mais afetados de Tammy Faye caem e os danos por baixo se tornam mais visíveis.
Em última análise, a razão para se ver este filme é clara e só uma: Jessica Chastain, embora o resto fique aquém e distraia, ela mantém-nos agarrados ao ecrã até ao fim.
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