Parasita
Publicado a 11 Jan, 2020

Preparem-se porque este foi o meu filme preferido de 2019 e, por isso, a minha opinião é completamente viciada. Tendo isto dito, este é o tipo de cinema pelo qual me apaixonei e de que já tinha saudades. Uma história bem contada, simples de entender mas que no enredo não é simples, com drama e comédia, plot twists, grandes performances por parte dos atores, um argumento bem escrito e uma direção e cinematografia genial. Se isto não basta para vos fazer querer ver o filme imediatamente, então podem continuar a ler.

A história acontece na Coreia do Sul, mas a ideia é universal, todos nós sabemos da diferença de classes e de como essa é visível nas ruas, todos nós já sentimos na pele que temos mais do que alguém e menos do que outro. O realizador Bong Joon Ho consegue de forma brilhante levar para o ecrã esta luta de classes assim como conceitos sobre a dignidade humana. Estará esta intimamente relacionada com a nossa posição social? E temos nós responsabilidade sobre a nossa e, mais importante, sobre a dos outros? Em contraste encontram-se duas famílias: uma rica que vive numa mansão quase a fazer lembrar um bunker que se torna a principal área sobre o qual o drama se desenlaça; e uma pobre que vive numa cave num subúrbio tendo que subir para cima da sanita para conseguir ter Wi-Fi no telemóvel. Uma representa o ideal que outrora e ainda hoje se sonha em alcançar mas que é a realidade de tão poucos e a outra a grande maioria dos casos.

Embora se coloque a pergunta se a família rica será boa apenas por ter dinheiro, este não é um caso em que a família rica (os Parks) é má e a pobre (os Kims) é boa. Pelo contrário, e de forma rejuvenescedora, é sobre como seres humanos podem viver vidas tão diferentes e como o ter ou não ter dinheiro influencia a nossa maneira de abordar o mundo, a nossa própria escala de valores. Estarão os valores intimamente relacionados com as nossas posses? Roubar afinal é errado, mas se for para não morrer fome será desculpável? E porquê para no roubar para sobreviver? O que nos impede de ir mais longe e atacar uma sociedade que não nos dá oportunidade sequer para tentar viver o caminho do bem? Pode a sociedade responsabilizar-nos se a culpa de sermos como somos é parte dela? Estas são algumas das questões que nos vão surgindo enquanto vemos a família pobre aos poucos infiltrando-se na rica, trabalhando para eles. Começamos com o filho mais velho que consegue através de um amigo mútuo trabalho como tutor para a filha da família rica. Aos poucos vai começando a manipular esta família para que contratem a sua irmã, mãe e pai também (sem eles nunca saberem que são relacionados) e então começa a verdadeira história. A partir daqui vemos a interação entre as duas famílias. Vemos as suas intenções mudarem, fruto da sua circunstância, e mesmo condenando algumas das suas ações não deixamos de simpatizar com eles, afinal eles são os cachorros vadios da sociedade.

A maneira como Bong dirige tudo isto é instrumental para o produto final, ângulos de câmara cuidadosamente escolhidos para adicionar tensão e mensagens subliminares à ação. Os planos abertos na casa da família Parks dão não só a ideia de imensidão e abundância, mas ao mesmo tempo cria um sentimento de isolamento dentro dessa família. Já os planos apertados em casa dos Kims atira-nos para a ideia de união entre eles ao mesmo tempo que salienta a sua pobreza.

Bong consegue, desta forma, apresentar as suas ideias do estado socioeconómico do seu país em especifico, e do mundo em geral, com grande agilidade e inteligência. É a forma como apresenta a verdade e não a debita, como se o filme fosse um veículo para uma tese, e os seus argumentos fossem cenas visuais e brutais, como é o caso em que o Pai Kim mantém a janela aberta para aproveitar o insecticida que está a ser largado na rua para matar os insetos que vivem na sua casa, quase se engasgando enquanto o faz. É desolador, e um argumento incontestável porque se sente na pele como verdade.

Sem querer revelar muito mais, sem dúvida o momento que lança os Kims numa avalanche de peripécias e a partir do qual é impossível largar o ecrã, acontece quando estes são confrontados com outros “parasitas” como eles, dando origem a um argumento ainda mais violento e cru, mesmo quando nos estávamos a começar a instalar. Não há momento de descanso para eles ou para nós, é viciante, emotivo, épico como só grandes filmes conseguem fazer. Para acabar falta apenas dizer que quem ainda não viu este filme e se considera fã de cinema, tem o dever de o ver assim que puder, não sairá de lá desiludido.

 

Parasita
Capa
Incrível
Realizador:
Duração: 02H12M (132 min)
Distribuição:
Lançamento: 26 de Setembro de 2019
9.5
  • Positivo
  • Enredo surpreendente
  • Realização
  • Performance dos atores
Escrito por:
João Simões
Viajante perdido à procura de sentido nas respostas dos outros. O personagem do Forky no Toy Story 4 em plena crise existencial é o meu animal espiritual. Quando ganhar um Óscar agradeço pelo meio à Cris e ao Ed se não me despedirem até lá.