É estranho a forma como a nova adaptação de Persuasão de Jane Austen nos remete tanto para as comédias românticas dos anos 2000, quando os livros de Austen à altura rondavam já os 200 anos. No entanto, filmes como O Diário de Bridget Jones são bastante influenciados pela escritora e agora parecem ser eles a influenciar as adaptações. Parece uma daquelas coisas de pescadinha de rabo na boca. Temos Anne (Dakota Johnson) a beber vinho tinto direto da garrafa enquanto chora na banheira ou fica deitada na cama, narrando os seus problemas românticos com um humor familiar e discreto. Esta Anne também quebra repetidamente a quarta parede, ao estilo de Fleabag, o que no papel é uma ideia genial, visto que a escrita de Austen é densa e rica no que diz respeito à mundividência interna das suas personagens, mas que nesta adaptação fica aquém.
Os puristas ficarão irritados, sem dúvida. Quem não ficaria quando o diálogo é fraquíssimo, diria mesmo um atentado à escrita de Austen, mas não será também esse o seu objetivo? Podemos questionar se foi mal ou bem conseguido, na minha opinião foi mal, mas é um objetivo válido. De facto, o que realmente está errado com esta nova versão de Persuasão pouco tem a ver com sua reforma moderna. Afinal de contas, já vimos inúmeras versões contemporâneas dos clássicos de Austen, desde Clueless até o recente Emma – que consegue permanecer fiel, mas ao mesmo tempo ser fresco e novo – e nunca se pôs em causa a sua modernização. Então, o que acontece nesta versão para causar tanto impacto?
Quando substituímos as palavras de Austen por apontamentos modernos que deixam o espectador com vergonha alheia, sabemos que talvez estejamos a ir na direção errada. Imaginem se, de facto, Anne quebrasse essa quarta parede, mas o fizesse com a língua aguçada com a escrita acutilante do livro em que se baseia. Esta é a nossa primeira conclusão, a de que o problema está, no fundo, na matéria e não na forma. O estilo que se tenta até poderia ter algum sucesso, se sustentado nos pilares de Austen.
Johnson e vários dos coadjuvantes conseguem manter o filme unido quando a falta de peso emocional ameaça destruí-lo. Mia McKenna-Bruce é absolutamente hilariante como a irmã mais nova insípida e narcisista de Anne, Mary, e é a mais-valia deste filme, sem dúvida alguma. O facto de estar tão ciente e articulada sobre os seus defeitos torna-a cativante e refrescante de observar. A recém-chegada Nia Towle traz uma efervescência ao papel de Louisa, cunhada de Anne, e é um dos vários exemplos da abordagem no estilo Bridgerton do filme para o elenco anacrônico e racialmente diversificado. E Henry Golding, como o arrogante Sr. Elliot, primo de Anne, fornece uma faísca romântica necessária que nos faz imaginar se não seria melhor se ela fugisse com ele. Claro, ele é completamente errado para ela, mas é o único homem que está ao nível dela intelectualmente.
Ainda assim, é impossível importarmo-nos se Anne acaba com Frederick Wentworth porque este se apresenta rígido e pouco carismático. Não há um único momento nas suas interações que nos faça entender por que uma mulher tão prática e astuta estaria ansiosa por ele nos últimos oito anos. Persuasão deve o seu título ao facto de abordar a forma como os snobes que cercavam Anne a persuadiram a rejeitar Wentworth quando este não tinha posição ou fortuna, mas mesmo quando este regressa como capitão, existe uma distância e um constrangimento tão grande, que não são acompanhados por uma tensão emocional, que nos deixa a pensar que os seus amigos e familiares provavelmente tiveram a ideia certa naquela época, contrariamente ao desejado.
Naturalmente, vários obstáculos estão no caminho da reconciliação de Anne e Wentworth, além do orgulho e preconceito que sempre está presente nas obras de Austen, mas o maior é mesmo o argumento. Com uma cinematografia eficaz, performances que diria na sua maioria sólidas, e até mesmo pequenos momentos de humor bem conseguidos, a pobreza do texto é inescapável.
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