O cinema europeu é notoriamente diferente do americano, normalmente pautado por um estilo mais sombrio e pausado nos dramas, focando-se mais na história e no diálogo do que na ação. Neste filme francês escrito e realizado por Céline Sciamma, encontramos um equilíbrio que na minha opinião só alguém que realiza aquilo que ela própria escreveu consegue. A história torna-se mais pessoal, o ponto de vista desde a concepção ao parto é o da mesma pessoa e isso mostra-se, como por exemplo nos filmes Quentin Tarentino. Há uma marca, um cunho pessoal. Céline conta então de forma elegante e enigmática a estética que está inerente ao enamorar-se por alguém. Estética é mesmo a palavra que deve ser utilizada para este filme que se pauta maioritariamente pelo silêncio, que dá às duas actrizes principais o trabalho difícil de evocar emoção só com o olhar.
Passada no século XVII na Britânia, Héloise (Adèle Haenel) é uma jovem acabada de sair do convento, transtornada com a perda da irmã e que acaba de ser prometida a um italiano em casamento contra a sua vontade. A mãe encomenda assim à artista Marianne (Noémie Merlant) que esta pinte o retrato da filha para o enviar ao futuro marido de Héloise, mas este retrato deverá ser pintado em segredo pois Héloise nunca concordaria em posar. Marianne entra então na vida de Héloise como uma companheira para os seus passeios, desculpa que a deixaria observar de perto quem ela deve pintar e ao mesmo descansar a mãe nas suas preocupações relativas à tristeza da filha.
Das circunstâncias nasce um companheirismo, os olhares prolongados de Marianne começam a despertar em Héloise sentimentos que ela nunca esperou, e o que parecera um mal-entendido ao início pode afinal ter alguma ponta de verdade. Aos poucos e poucos a peripécia vai escalando, backstories são reveladas, personagens secundárias ganham relevo e a acção toma terreno. Segredos são descobertos, e outros segredos são criados. O filme em si tem algo que faz lembrar uma das películas à antiga em que a trama leva tempo a começar, desenvolvendo-se lentamente dando, assim, lugar para que nos afeiçoemos às personagens que até certo momento da história parecem sempre distantes e frias. Este ritmo, no entanto, chega por vezes a ser exageradamente longo (principalmente na primeira metade do filme) e pode não ser para todos. Esse é talvez o grande motivo que leva este filme a passar algo despercebido, é quase um filme de escola, parece daqueles que surgem quando o cineasta ou argumentista ainda é jovem, cheio de ideias e incorruptível pelo consumismo associado a esta indústria, mas que na prática leva o público a dizer “mas quando é que o filme começa?”.
Sciamma consegue, porém, com este filme combinar à sua própria maneira a parte mais carnal de uma relação e a parte mais intelectual. O próprio nome do filme que pensamos ficar logo explicado nos primeiros minutos do filme, aos poucos vai ganhando outra vida, e deixa-nos com medo de ver Héloise arder. É um filme de dualidade, tanto nos temas, como no ritmos e na performance.
O fim não é cliché e sabe bem, as cenas na galeria de arte e na casa de ópera são talvez as mais emocionantes e bonitas de todo o filme, por isso se nos primeiros minutos quiserem desistir, vejam até ao fim, às vezes uma boa sobremesa salva uma refeição que poderíamos considerar um pouco simples e parada. O tema desta obra é sem dúvida o desejo e, sem dúvida, ficamos com o desejo de ver o que vai acontecer a estas duas pessoas. E como não se podia deixar de mencionar é sempre bom ver mais representatividade no cinema. Não só temos uma história diferente sobre o amor entre duas mulheres, como praticamente todo o elenco e até a escritora/realizadora é uma mulher. Trata-se portanto de um filme no feminino, que após a chamada de atenção para a falta de mulheres à frente e atrás do ecrã que tem vindo a ser ao longo dos últimos anos, vem mostrar que há espaço e necessidade para mais.
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