The Batman com Matt Reeves aos comandos já chegou às salas de cinema e como um fã do universo não podia mesmo falhar esta estreia. Este é um dos personagens que mais ligação e lembranças tenho da minha infância. Relembro com imensa nostalgia os vários visionamentos numa cassete gravada diretamente de um canal de televisão, de Batman e Batman Returns, ambos de Tim Burton. Julgo que é por essa razão que este sempre foi um herói que mais me puxou para assistir aos filmes onde marcava presença e igualmente para o realizador, que mesmo antes de saber quem era ou mesmo o que era, adorava os seus filmes. Os dois filmes de Burton são dos meus filmes favoritos e acho que o ambiente criado foi perfeito para a época, mas principalmente para a interpretação feita da cidade de Gotham. Sem dúvida uma das minhas localizações fictícias favoritas e que ali foi tão interessantemente retratada. Já nos anos 2000, quando Christian Bale assume a personagem e Christopher Nolan entra como realizador, a visão era outra.
Apesar do primeiro filme da trilogia ainda beber um pouco do estilo que os filmes anteriores transmitiram, a ideia já era bem diferente. Em 2008, muda mesmo tudo com a sequela onde Gotham é uma típica cidade moderna americana. Apesar de gostar muito desta trilogia, tenho de admitir que o espírito de Gotham ficou moribundo e não me cativava da mesma forma. Agora eram os vilões, o herói e o trabalho do realizador que me chamavam às salas de cinema. Contudo para mim, Gotham sempre foi um importante “personagem” do universo e é um detalhe essencial para uma aventura mais imersiva. Na era de Zack Snyder, mais uma vez o realizador baseou a sua Gotham no que já tínhamos visto na trilogia anterior e mesmo com pouco tempo de antena, já apresentava alguns elementos mais próximos daquilo que espero ver nesta cidade. Agora em 2022, e já com um filme abandonado pelo meio, vemos uma nova cara no papel de Bruce Wayne e uma Gotham nova.
A cidade está renovada e agora com o melhor dos dois mundos. Se por um lado, encontramos uma visão moderna e semelhante às cidades que conhecemos atualmente, é nos detalhes que esta Gotham se destaca. Com um contraste perfeito e uma fotografia incrível, uma mistura entre um estilo industrial tipicamente americano e edifícios clássicos bem ao estilo inglês. Não é por acaso que este título foi rodado entre Inglaterra e os Estados Unidos. Gotham volta a apresentar-se como uma personagem ativa em todos os momentos necessários. Num ambiente a roçar o noir, a cidade respira uma imagem icónica e perfeita para criar os momentos certos em cada situação. Desde o primeiro combate com Batman, até à alargada perseguição de automóveis. Torna-se mais fácil entrar no espírito e sentimento necessário para desfrutar desta história.
Matt Reeves faz um trabalho incrível a traduzir a cidade para o grande ecrã e faz questão de o mostrar em cenas muito bem trabalhadas. Senti muitas vezes que não estava a assistir a uma versão de cinema, mas a uma edição estendida da versão blu-ray. A forma como o realizador nos vai guiando pela cidade, mostrando o lado mais obscuro e criminoso, é realmente interessante. Não só isso mas o próprio tom que é introduzido onde o castanho avermelhado da ferrugem se funde com o preto azulado do frio e da noite. É incrível e maravilhosamente bem feito. Dá um contraste muito bonito às cenas e transformou esta interpretação numa Gotham praticamente perfeita. Para mim, foi sem dúvida um dos melhores aspetos que The Batman apresentou e onde a equipa esteve inequivocamente bem.
Este é um filme que nitidamente foi intencionado para beber muito do género Noir. Seja de forma correta ou não, se olharmos a fundo para todo o filme, rapidamente compreendemos que os habituais elementos estão por cá. Alguns eu próprio já referi antes. O lado industrial da cidade, a forma como os cenários variam entre clubes noturnos e outros pontos da cidade, montado como uma espécie de labirinto. A esquemática de luz, sempre em tons muito baixos, onde o contraste e a sombra são o papel importante. A estrutura da narrativa, que por várias vezes recorre aos flashbacks e à narração do próprio protagonista. A forma pessimista do mesmo de ver a cidade e como tudo está errado. O crime é o ponto fulcral da narrativa, com Riddler a transformar Gotham num parque de homicídios. A investigação e os detalhes que também são muito comuns como é o caso da chuva. São vários os pontos que se estabelecem como referências para o género e que este filme absorve. Não se pode dizer que seja um noir de excelência, mas sem dúvida que Reeves trabalhou muito para que o seu filme apresentasse o tom certo.
The Batman desde o início que se demonstra com este estilo muito próprio e que agora tenho ainda mais certeza que é o certo para o personagem. Não fosse este um herói que surge pela primeira vez na revista Detective Comics. O Cavaleiro das Trevas é, no final das contas, um detetive que luta contra o crime nas ruas de Gotham, porque a polícia era demasiado corrupta para fazer alguma coisa certa. Aqui é isso mesmo. Podemos observar o personagem nas suas investigações, recolhendo provas e explorando formas de resolver o crime. Julgo que Riddler foi igualmente o vilão perfeito para explorar neste filme. A sua veia louca e distorcida para criar as artimanhas mais estranhas foram muito bem retratadas e Paul Dani está muito bem no papel que faz.
Vamos começar pelo óbvio: Robert Pattinson como Batman. Já há alguns anos que não vejo um filme do ator, mas sei que tem vindo a melhorar em muito nos seus trabalhos e que nos últimos tem feito grandes representações. Nunca fui de julgar até ver, mas havia algumas dúvidas de que seria o ator mais indicado. Estava enganado, porque para este personagem, neste set e nesta narrativa, foi exímio a levar a personagem para onde tinha de levar. Quer como Bruce Wayne, quer como Batman, gostei imenso da sua prestação e julgo que funcionou muito bem. No entanto, ainda que não consigo imaginar a oferecer a mesma intensidade num filme Batman Vs Superman ou no Justice League. Quem sabe estarei enganado, mas em todo o caso, aqui nesta configuração encaixou muito bem. Do outro lado, tínhamos Selina Kyle, interpretada por Zoë Kravitz e que é uma Catwoman diferente, mas com todos os elementos certos. Apesar de ao inicio não ter logo feito o click, sinto que depois da interpretação de Michelle Pfeiffer, esta é a minha segunda representação favorita. Tenho muita curiosidade e espero sinceramente que esta personagem possa ter uma maior exposição em futuros filmes.
Já vos referi Riddler e a sua louca forma de se apresentar neste filme, mas não podia deixar de fazer uma referência a Colin Farrell. Primeiro, porque foi um choque quando descobri quem era o ator que dava vida ao Pinguim. E depois, porque o ator ofereceu momentos muito bons ao filme. A sua forma de atuar e a sua caracterização encaixaram perfeitamente no personagem e mostrou uma transformação que ficou excelente. Este é outro personagem que tenho a certeza que irá ter mais tempo de antena no futuro e ainda bem.
Numa nota final quanto aos personagens, foi muito bom ver uma maior exposição dos grandes nomes do crime em Gotham como Falcone e Maroni, que são duas famílias muito importantes para a construção desta cidade. E sendo muito sincero, foi uma enorme surpresa quando vi John Turturro a aparecer no ecrã, porque seria mesmo a última pessoa que esperava ver neste filme e muito menos a interpretar alguém como o Falcone. São famílias que tem sido apenas pano de fundo nas adaptações cinematográficas, mas que são uma peça fundamental para este lado de investigação criminal que aqui foi inserido. Ver o chefe de uma destas famílias de Gotham como um dado importante e fundamental para a construção narrativa foi muito interessante e entusiasmante.
Muitas companhias acabam por cortar demasiado as asas aos realizadores que compõem as suas histórias e isso sempre foi visível. Numa época de media física, os estúdios aproveitavam o cinema para uma versão mais leve do filme, com a visão do realizador a chegar em DVD ou Blu-ray. A Warner, e em especial as suas equipas de adaptação à DC Comics, tem sofrido bastante com estas questões. Já desde o início da década passada que muitos filmes sofreram e uma das maiores histórias é a de Zack Snyder. Goste-se ou não do seu trabalho, o certo é que este foi muito dificultado e talvez por isso não tenhamos hoje algo mais composto do lado da DC. No entanto, algumas liberdades têm sido fornecidas a estes projetos a solo. Joker foi prova que pode ser o modelo mais certo para a companhia. Chega de bater de frente com o concorrente mais próximo e de tentar replicar em meses algo que demorou anos a alcançar. A DC tem do seu lado praticamente todas as licenças dos seus personagens. Não precisa de criar um universo extenso e expansivo como a sua concorrente. Entregar os seus personagens a equipas boas e dar a liberdade necessária para se poder criar uma visão artística incrível.
Matt Reeves conseguiu levar a sua versão para as salas de cinema, o que com certeza não irá agradar a todos. Algumas cenas mais longas e a expansão de certos planos para mostrar a sua criação, podem aborrecer algumas pessoas. Este não é o filme de ação desenfreada ou o típico filme de super herói que temos vindo a ser habituados. É uma visão diferente de um dos personagens mais importantes da DC e que conta com alguns dos melhores vilões dos Comics. As possibilidades que aqui são criadas para o futuro são maravilhosas e deixam-me mesmo muito entusiasmado para ver mais. Pela primeira vez, não pensei que aquele ou outro personagem não será bom porque já alguém os fez melhor. Ver ou ouvir certos personagens fez-me chegar à ponta da cadeira e cerrar a minha atenção. A visão que Reeves oferece pode fazer exatamente isto a muitos fãs. Por esse motivo, digo que este não será o filme para todos, mas é o filme certo para este personagem e que irá agradar muitos.
Julgo que não preciso de me alongar mais para compreenderem que este é um filme muito bem executado e que merece a vossa ida ao cinema. Pelo menos dar uma oportunidade para perceber se é ou não o vosso tipo de filme. Sem dúvida, diferente e muito distante dos habituais filmes de super-heróis, mas com uma apresentação muito sua e com experiências que a meu ver funcionaram muito bem. The Batman merece a visualização numa sala de cinema e é sem dúvida uma grande aposta para o personagem.
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