À primeira vista, Tudo Em Todo O Lado Ao Mesmo Tempo é um filme de ação e ficção-científica, apresentando-se como uma nova aventura pelo multiverso. Porém, a nova longa de Dan Kwan e Daniel Scheinert (conhecidos como Daniels), revela-se uma profunda exploração do significado de vida, amor e família.
A dupla Daniels, que escreveu o argumento e realizou o novo filme, apresenta a história de Evelyn Wang, interpretada com coração, mas hilariantemente por Michelle Yeoh, uma emigrante chinesa nos Estados Unidos, dona de uma lavandaria em falência, que vive num estado de letargia por não se sentir concretizada com a vida difícil que leva com o marido, Waymond Wang (Ke Huy Quan), e a filha, Joy Wang (Stephanie Hsu). Para além de lidar com problemas financeiros, Evelyn tem também que lidar com o pai Gong Gong, interpretado por James Hong, que a deserdou depois da filha ter escolhido casar com Waymond, vendo-a como um falhanço. Para juntar ao drama, uma auditoria das finanças avizinha-se, podendo meter a família em ainda mais problemas. Depois de lerem esta introdução, imagino que se perguntem onde o Kung-Fu e o Sci-Fi entram ao barulho. De facto, o filme começa num tom muito realista, insinuando logo de início que mais que qualquer ameaça extradimensional, o drama familiar é o verdadeiro foco que Daniels querem transmitir.
É quando finalmente Evelyn e Waymond se deslocam ao edifício das finanças, que a ‘estranheza’ começa. Enquanto entediada pela agente das finanças, trazida ao ecrã de forma deliciosamente maliciosa por Jamie Lee Curtis, Evelyn é puxada para uma guerra no multiverso, com os típicos clichés do género, como o ‘grande mauzão que quer destruir o mundo e só tu podes salvá-lo’. Que, no caso, até acaba por ser merecido na narrativa.
Através de pseudociência mal explicada em despejos de informação que não são muito fluídos, a audiência e a protagonista ficam a conhecer que é possível invocar alter-egos de outros universos e usar as suas potenciais habilidades, por exemplo, as de uma Evelyn de um universo em que é mestre de Kung-Fu. É nesta instância que as cenas de ação prometidas chegam ao ecrã, em autênticas cartas de amor aos clássicos de Jackie Chan e Bruce Lee, excelentemente coreografadas e editadas, que para além de excitantes, são ainda recheadas com um humor tão distinto, podendo mesmo por vezes ser infantil, que, todavia, se enquadra na perfeição com o tom do filme até ao momento.
Esta longa-metragem tem, contudo, uma carta na manga, que se começa a materializar na segunda hora. E não, não falo de um grade plot-twist (se bem que há muitos para desfrutar), mas sim, de que o filme que estamos a ver nunca foi só mais um bom filme de ação e ficção científica. À semelhança de Divertidamente da Disney-Pixar, que se apresenta inicialmente como uma aventura infantil, este filme transforma-se num verdadeiro drama familiar e numa profunda exploração do significado da vida, das decisões que tomamos ao longo dela e os de todos os arrependimentos que carregamos connosco. Os Daniels permitem aos três principais atores carregar magnificamente momentos de grande emoção, onde se torna impossível para a audiência não verter uma lágrima (no meu caso foram centenas de lágrimas, confesso).
É de notar, porém que o filme não muda repentinamente, e sem propósito, o tom divertido que tinha na primeira hora. A transição para algo mais sério é feita de forma progressiva e suave, sem nunca deixar a comédia e a ação completamente de parte, integrando assim as três componentes de forma genial.
A música de Son Lux é também um dos pontos fortes de Tudo Em Todo o Lado Ao Mesmo Tempo, adequando-se perfeitamente a todas as cenas, quer sejam uma épica batalha ou um conflito emocional.
Não posso não fazer menção a uma cena em específico em que Evelyn revê inúmeras versões de si própria passado, como centenas de quickshots de milissegundos, onde há flashes de luzes espontâneos, que apesar de se enquadrar de ponto de vista narrativo, perlonga-se mais do que devia e acaba por cansar os olhos e a cabeça do lado do espectador.
Tirando esse ínfimo detalhe, poucos são os problemas a apontar a esta emocionante obra, que não só entretém como fica na cabeça e nos faz refletir horas e horas após abandonar a sala. Garanto que quem procurar algo cómico, excitante, algo mais profundo, ou simplesmente um bom filme repleto de originalidade, Tudo Em Todo O Lado Ao Mesmo Tempo vai satisfazer. Este filme é uma obra-prima indispensável, combinando o melhor de tantos géneros num hino à criatividade, que merece sem qualquer dúvida ser visto no grande ecrã.
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