Rosamund Pike, que venceu o Globo de Ouro com a sua performance em I Care a Lot, dá vida a Marla neste thriller sobre uma vigarista fria que, determinada a ser rica a todo o custo, aproveita-se da fragilidade de idosos que aparentemente não conseguem tomar de si mesmos, arranjando esquemas para os forçar a ficarem sob a sua tutela.
Marla ganha, desta forma, acesso às suas contas bancárias e património. Neste papel de contra heroína, Marla representa todo um sistema que recompensa os mais cruéis e sem escrúpulos. É uma história assustadora principalmente quando descobrimos que é baseada em casos que o próprio roteirista terá lido de histórias semelhantes, mas, embora repudiante, dá um filme muito interessante e bem conseguido. Escondida por trás deste conto diabólico, está a ideia de que a riqueza em massa só pode ser alcançada imoralmente e que aqueles dispostos a perder a empatia (enquanto fingem em público) conseguirão alcançá-la. Optando por não exagerar em mensagens pesadas sobre os sistemas corruptos dos Estados Unidos e os valores distorcidos e, em vez de mostrar um sociopata que foi construído, tijolo por tijolo, pelo pior da cultura americana moderna, o filme maravilhosamente enlouquecedor do diretor J Blakeson é capaz de criar um palco para o drama que é a ruína moral.
Pike é perfeita como Marla, revestindo-a com humanidade e humor apenas o suficiente para que percebamos que é uma pessoa e possamos realmente torcer por ela quando a ocasião assim o exige.
O filme centra-se à volta de uma idosa que é selecionada por uma médica corrupta como uma boa candidata à tutela de Marla. Afinal de contas ela preenche todos os requisitos: uma pessoa de sólidos recursos financeiros que ainda não está muito velha e enferma, mas possivelmente à beira da demência. Um juiz assina uma ordem judicial afirmando que essa mulher não pode mais cuidar de si mesma e precisa de outra pessoa para intervir e ajudar. Entra Marla, que a leva para uma casa de repouso, onde o gerente a acompanha até um quarto privativo, prometendo que ela será tratada como uma rainha. Com todas as peças no lugar, Marla, com o seu estilo acutilante, pode ser a mulher movida por ambição fria e dura que é, e não podemos negar, para o bem ou para o mal, ela é boa no que faz. O seu modus operandi: “Jogar limpo é uma piada inventada por pessoas ricas para manter o resto de nós pobres”.
Durante uma audiência no tribunal no início do filme, ela argumenta de forma persuasiva que pode avaliar com mais precisão o que é do melhor interesse de seus clientes porque ela não tem interesses na situação, ao contrário de membros da família que são carregados de bagagem emocional e expectativas financeiras. Para ela, é tudo transacional. Este momento parece apenas uma espécie de introdução da sua personagem, mas vemos mais tarde que vai ser fulcral para o culminar da história. Afinal de contas, quantos idosos ela pode extorquir até que alguém da família se revolte e faça justiça pelas próprias mãos quando o sistema judicial é cego aos jogos em que está envolvido, às mentiras que lhe são contadas?
A nova vítima de Marla, Peterson (Dianne Wiest) é o alvo perfeito: rica, no início da demência e, acima de tudo, sem filhos, marido ou família viva. O que Marla e Fran (Eiza González), a sua parceira nos negócios e no romance, não percebem é que escolheram a presa errada desta vez e que, ao sequestrar, aprisionar e roubar esta idosa aparentemente gentil, acabam por tropeçar e irritar pessoas perigosas e violentas, especialmente Peter Dinklage como o discreto e assustador mafioso russo volátil, mas mais importante ainda, como o filho que ninguém sabia que existia.
Se a história não é o suficiente para fazer qualquer um querer ver este filme, sem dúvida que Pike e o à vontade perturbador com que interpreta a natureza parasitária de Marla convence qualquer um. Talvez o seu papel mais interessante desde Gone Girl, é um que marcará a sua carreira e que delicia qualquer espectador.
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