Promising Young Woman abre com uma mulher aparentemente embriagada num bar. Cassie (Cary Mulligan) mal se segura em pé, frágil, indefesa, uma presa fácil para homens com más intenções… ou assim ela nos faz crer. Quando um homem que se apresenta diferente destes que estamos à espera (um gentleman) se voluntaria para a levar a casa e, supostamente, a ajudar, ficamos aliviados. Mas é um alívio que dura pouco quando este sugere que parem em sua casa primeira para mais um copo (como se ela aguentasse mais um copo) e contra a sua vontade, acaba por carregar uma praticamente inconsciente Cassie até ao seu sofá. E ficamos ansiosos. Sabemos o que vai acontecer.

A história não é nova ou uma fantasia, ele irá tentar abusar dela e nós vamos ter de ficar sentados e observar, sem nada poder fazer para o parar… ou assim ela nos faz crer. Ele leva-a até a cama, e quando começa a tentar tirar proveito da situação, a situação muda. E o filme realmente começa.

Percebemos então que Cassie tem um hobby interessante. Depois de ter abandonando a faculdade de medicina após um trauma indefinido envolvendo a sua melhor amiga, Nina, trabalha agora num café. Mas o seu verdadeiro trabalho é outro: o de se deixar apanhar pelos homens errados durante noite e assustá-los quando se percebem que ela não é assim tão inocente e fraca. O filme revela aos poucos que o que aconteceu com Nina não foi meramente ser vítima de um homem privilegiado, mas de um sistema que protege o criminoso e não o acusador. Cassie, desiludida com este sistema, toma para si o papel de justiceira e vingadora, numa nova forma de heroína nunca antes vista no cinema, uma que não mata ou fere, mas que traz à luz a moral podre do homem mundano protegido pelo sistema, que sai sempre impune.

No decorrer do filme, Cassie é levada a repensar a sua “vingança” ao se reencontrar com um antigo colega de faculdade chamado Ryan (Bo Burnham). Burnham e Mulligan têm uma química sólida, e Fennell não apressa o seu namoro, fazendo com que pareça mais genuíno e verossímil. Cassie baixa aos poucos a guarda pela primeira vez em muito tempo. Ao mesmo tempo, é Ryan também quem revela que o homem que enviou Cassie nessa espiral de luto e trauma (o abusador de Nina) está de volta aos Estados Unidos depois de passar um tempo em Londres. Ela vê-se num dilema sobre deixar para trás a situação que a assombra ou se o melhor que se pode fazer para desaparecer com as sombras é na realidade apontar luz sobre estas mesmas.

Promising Young Woman é um filme sobre uma mulher em busca de um tipo de catarse que simplesmente nunca encontrará da forma que tenta. Ao longo do filme, e principalmente na reta final, ficamos convencidos que sabemos o desfecho e, tenho que admitir, embora não ficasse insatisfeito com o que estaria à espera, seria algo que ficaria aquém do filme. No entanto, tal como no início, acabamos por ser surpreendidos mais uma vez, a forma com Fennell decide satisfazer o arco emocional de Cassie sem dúvida irá dividir o público, mas é para mim a chave de ouro num filme que está longe de ser perfeito, mas que ousa em ser diferente e relevante. Não se pode, porém, descartar a audácia e a própria crítica encerrada nela: o sistema de justiça acaba por magoar irremediavelmente na sua maioria o abusado e não o abusador.

O filme esforça-se para apresentar pontos importantes sobre o consentimento, ou a falta dele, e sobre a leniência com que os estudantes universitários acusados de estupro e agressão são tratados, um tema que nos últimos anos tem sido alvo de grande crítica, especialmente nos Estados Unidos. Se estiveres a prestar a mínima atenção, entenderás a mensagem. Mulligan é fenomenal num papel difícil e definidor da sua carreira, fazendo o seu melhor para fazer desta uma história sobre um ser humano que sofre, ao invés de apenas uma crítica e um ato de vingança, interpretando Cassie como uma mulher que perdeu a alegria, deixando para trás uma jovem manchada de exaustão e desconfiança.

Um dos filmes mais interessantes que irá concorrer na corrida aos Óscares, e que merece ser visto, se não pela premissa, pela performance de Mulligan.