Quando falamos do Rei do Terror, Stephen King é um dos primeiros nomes que me vem à cabeça. King é conhecido por escrever histórias que nos arrepiam a alma, e a sua mente macabra nunca me deixa de surpreender. Nunca tinha lido A Coisa, mas conheço a história através das duas adaptações que existem.
A história é macabra, doentia, é errada… Deixando-nos muitas vezes agoniados e em pânico. A forma como toda a trama é montada atrai-nos para esta teia e que só iremos conseguir sair quando terminarmos a leitura. Tudo o que é colocado nesta história tem um propósito preciso. Nada é aleatório. Cada pequeno detalhe tem o seu próprio lugar no mecanismo da história.
A Coisa não é um romance simples. Classificá-la como uma história de “terror” é o mesmo que dizer que Moby Dick é um manual sobre a caça às baleias. Dizer que tudo gira em torno do monstro é dizer que a baleia é a vilã da história.
Em A Coisa tudo gira muito à volta das crianças e da infância. Embora vulneráveis e fisicamente débeis, dois fatores que as tornam vítimas perfeitas, as crianças possuem uma força que a maioria dos adultos perdeu no doloroso processo de crescimento – a força da imaginação. Uma criança sente e experimenta emoções com muito mais intensidade do que um adulto, mas a sua capacidade imaginativa única permite que consigam lidar com o improvável com muito mais eficiência do que um adulto. King tem representado crianças ao longo de toda a sua carreira. A Coisa traz-nos protagonistas infantis elaborados e complexos. É também uma das histórias mais longas de King, senão a mais longa.
Neste livro somos apresentados a grupo de crianças, que não estão entre as mais populares, fortes ou inteligentes. Uma história sobre o grupo de sete amigos que viviam em Derry, Maine. Eles formam o auto-denominado “Clube dos falhados”, e encontram uma força horrível e impressionante à espreita na sua cidade. Uma criatura que se alimenta do medo e devora crianças pequenas. Uma força que os adultos parecem conseguir ver. Uma criatura que se assemelha como um palhaço, segurando uma mão cheia de balões (história não apropriada para quem tem coulrofobia).
Durante a trama temos duas linhas de tempo. A primeira passa-se em 1958, onde conhecemos as crianças e elas encontram Pennywise, a tal criatura, pela primeira vez. King intercala esta linha do tempo com a história de 1985, onde já em adultos, retornam a Derry para lutar contra Pennywise. Na primeira vez que lutaram contra a criatura, eles conseguiram fugir, mas será que podem enfrentar o Pennywise novamente? Podem voltar ao horror que há muito esqueceram?
King consegue pegar nestas crianças e transformá-las em sete personalidades distintas. Mesmo quando King nos reintroduz a eles novamente como adultos, vemos as personalidades das crianças, como um modelo estampado, ainda na sua versão mais crescida. Mike é o único que fica em Derry, Maine. Ele torna-se o bibliotecário da cidade e é a pessoa que fica responsável por perceber o retorno de Pennywise e avisar o resto do grupo. Todos os outros vão embora e se tornam muito bem-sucedidos. Bill torna-se um argumentista e supera a sua gagueira infantil. Beverly é uma estilista, mas não consegue livrar-se da necessidade de estar com um homem que a magoa. Ben perde todo o excesso de peso torna-se num arquiteto famoso. Stan é um contabilista. Richie faz stand-up em Los Angeles. Eddie dirige um serviço de limusinas de sucesso em Nova York.
Se há algo que coloca King acima da maioria dos outros escritores, certamente é a sua grande compreensão da adolescência. Poucos outros conseguem escrever de forma tão vivida e convincente sobre a infância e o crescimento. É um período inquestionavelmente difícil de crescer – escola, valentões, pais, primeiras paixões – estão todos aqui, e o leitor sente como se ele próprio os estivesse vivenciando, aproximando-se das personagens.
É realmente uma experiência impressionante ler como King constrói as suas personagens e o mundo em que vivem. Em A Coisa também aborda importantes tópicos sociais: racismo, preconceito, violência doméstica. Mas o mais importante é uma história sobre amizade e infância: como isso une irrevogavelmente as pessoas e afeta as suas vidas. Sobre o poder da memória e da imaginação; sobre o terror do mundo familiar que esconde muitos segredos nas esquinas e nos esgotos. É uma história sobre crianças que enfrentam o estranho e superam o seu maior medo.
No final da batalha, Derry nunca mais será o mesma, nem este leitor. Se és fã do género terror, precisas de ler este livro. Mas, primeiro, certifica-te de estares mentalmente preparado para isto, porque é uma jornada longa e difícil!
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