Reparei que os melhores cronistas inventam palavras, categorias e tendências. Também não pude deixar de notar que, por sorte, a maior parte das vezes, na vida do cronista, as melhores histórias lhe acontecem no dia em que tem de lançar o seu texto. Como sempre fui, nas palavras ternas do meu avô, “um mete nojo que não pode ver nada”, hoje decidi fazer o três em um. Inventar uma expressão, estabelecer uma tendência e contar-vos um episódio caricato da minha vida literária (que juro que aconteceu ontem!) tudo de uma só assentada.
Chupem, cronistas profissionais!
O leitor nem vai acreditar no que me aconteceu há dois anos e meio ontem!
Estava eu sossegadinho a ler uma leve análise semiótica de um grande clássico russo (quem nunca?) quando, de repente, me telefona um amigo. Começou-me logo a cheirar a esturro, o que foi uma dupla boa notícia. Em primeiro lugar, foi ótimo porque estava absolutamente convencido que não tinha amigos. E em segundo lugar, se me estava a cheirar a esturro, sabia que possuía olfato e que não estava infetado com COVID 19. Até aqui tudo bem. Os problemas começaram quando atendi o telefone.
Do outro lado da linha estava uma senhora, chamada Isabel Angelino (mas não é essa que estão a pensar, é outra) que me convidava a participar num “fricassé de chiça” com ela e uma outra senhora de seu nome Serenela Andrade (mas não é essa que estão a pensar, é outra). Ora isto numa semana onde já José Carlos Malato (não é o que estão a pensar, é outro) me tinha convidado para ir com ele e com o José Figueiras (esse mesmo que estão a pensar, o que não teve nada a ver com o 11 de setembro) cantar o tirolês para a Serra da Estrela com tudo pago. Fiquei sem saber o que responder.
Quando, passados 580 minutos voltei a falar, pronto a dar a minha resposta, percebi que a chamada devia ter caído ou assim, isto porque a Isabel Angelino já não estava em linha e acho que ela não é pessoa de me deixar pendurado. Maçadíssimo com toda esta desagradável situação pensei: é pá, este tipo de imbróglio de calendarização já merecia um nome próprio! E foi aí que tive a ideia de cunhar a expressão: calendaralho. Palavra que, obviamente, se destina a caracterizar situações em que o nosso calendário está cheio para ca… muito cheio, para quando o nosso calendário está muito cheio.
Satisfeito com esta invenção de alto gabarito, estava prestes a pegar na minha deliciosa análise semiótica de um grande clássico russo quando me apercebi de uma tendência que é necessário mudar. Nomeadamente, a tendência de mentir sobre o que andamos a ler numa fútil tentativa de parecermos mais cultos e adultos do que de facto somos. Assim, decidi, ali mesmo que iria lançar uma tendência de honestidade literária nesta crónica, apelando aos leitores para deixarem de ser armar aos cágados.
E foi o que fiz, assim que acabei o “Anita aprende a ser meta e a ler clássicos russos”.
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