Considerado o núcleo da poesia de Whitman, Canto de mim mesmo é o poema épico normalmente encontrado no coração de Leaves of Grass, o seu mais famoso trabalho, e que só mais tarde foi publicado por si só. O mais importante fator de Canto de mim mesmo é o de ser algo que o escritor editou ao longo da sua vida. Quem for ler e reler as versões que foram saindo e as modificações que se podem encontrar de uma para outra, consegue observar a evolução no pensamento do próprio poeta. Nele, Walt Whitman convida os leitores a procurá-lo sob a sola das nossas botas. Examina o eu, a alma, a América, o universo, os átomos. Foi nele também que escondeu abertamente referências à igualdade de raças e sexo no poema. É fácil de concluir que na altura em que foi pela primeira vez publicado, não foi bem recebido pelos conservadores sociais, com Whitman a chegar a ser ameaçado pelo promotor distrital de Baltimore por violar as leis de obscenidade.
De facto, a visão de Whitman sobre raça e sexo estendia-se para além de ser progressiva para a sua época. Tantos anos depois, mesmo com tantos avanços a nível social, é preocupante que este poema ainda hoje se revele como relevante e revelador. Na realidade, não consigo imaginar um poema mais apropriado para se redescobrir num momento em que o mundo não pára de se encontrar em mudança. O sentimento do poema é evocativo da inclusão. “Como todo átomo que pertence a mim, pertence a ti.”, e pede que se deixe de lado os “credos e escolas”, que limitam o potencial individual.
A mensagem de liberdade e igualdade é tão importante hoje como quando foi escrita pela primeira vez. À medida que a mudança climática empurra o nosso mundo para cada vez mais perto da devastação ecológica, leis para controlar os corpos das mulheres são feitas e a violência da extrema-direita aumenta. Mais do que nunca, precisamos sentir uma conexão e empatia com o outro. A simplicidade da mensagem de Whitman ajuda a dar sentido a tudo isso. Todos nós morreremos, mas primeiro, devemos viver e desempenhar nossa pequena parte no quadro maior da vida. Independentemente de sexo, cor ou religião, encontrar o nosso papel neste planeta é parte da ” perpétua jornada ” da existência.
A visão de Whitman é abrangente. Desde a união de corpo e alma à religião, e rapidamente a sua poesia se transforma em filosofia. As suas visões da sociedade americana são de alguém que escreve sobre a guerra como soldado e marinheiro, que escreve sobre uma de uma forma patriótica não convencional, criticando-a, mas amando-a ao mesmo tempo. Para além disso, apresenta ao leitor a ciência dos átomos e o cosmos. Este é o trabalho da vida de Whitman e é abrangente. São todas as suas crenças registadas para que possam ser transmitidas às gerações futuras que ousem pensar. Escreve como quem sabe que irá morrer, mas que com a sua morte não se acaba o seu poema. Cada pessoa que o ler e criticar, torna-se um co-criador para adicionar ao que ele foi escrito, mantendo-o eternamente vivo.
O mais inesperado do poema era sua técnica básica. É uma das primeiras experiências estendidas em verso livre na língua inglesa. Whitman teve que descobrir como criar e manter um novo tipo de estrutura formal para a poesia, tudo isto enquanto tenta pôr em palavras o argumento principal de Canto de mim mesmo. E que argumento é esse? Que afirma Whitman? Nada mais, nada menos do que muito mais é o que nos une do que nos separa. Que a morte faz parte do ritmo da natureza tanto quanto o nascimento e o desejo sexual, que o amor está entre as formas mais profundas de conexão humana e que é um poder destinado a substituir todas as noções anteriores de divindade, e, acima de tudo, que tudo isso é tão comum quanto a relva.
Uma leitura absolutamente comovente, bela, e de partir a alma que todos deveriam pelo menos ler uma vez.
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