A maioria das pessoas, quando pensa em histórias de arrepiar, não pensa em contos infantis. Isso é porque a maioria das pessoas conhece as versões da Disney ou outras semelhantes. Essas versões são… incompletas. Neste mês de Halloween, estou aqui para vos revelar o lado sinistro por trás dos finais felizes.
A história da Cinderela é um clássico que faz parte da infância de todos nós. Uma rapariga, atormentada a vida toda pela madrasta e pelas meias-irmãs, vai a um baile, casa com o príncipe, e os dois vivem felizes para sempre. É uma história bonita e inocente que não tem nada de mal.
Só que não.
Para começar, temos um pai que deixa que a nova esposa trate mal a filha e a obrigue a ser a criada da casa. Depois há uma fada madrinha (ou árvore mágica na campa da mãe), que ajuda a Cinderela a ir ao baile, mas não a salva da sua vida miserável. Não é nada de pôr ninguém aos gritos, mas figuras parentais que permitem que aconteça mal às crianças são um bocadinho assustadoras.
Agora vamos à parte que não costuma vir nos livros/filmes: Quando o príncipe corre o reino à procura da dona do sapato, uma das irmãs da Cinderela corta os dedos dos pés e a outra corta o calcanhar para encaixar o sapato. O príncipe cai na esparrela as duas vezes, tendo que ser avisado por um passarinho que escorre sangue do sapato em ambas. À terceira, acerta finalmente na Cinderela. A história não acaba já. No casamento, tanto à entrada como à saída, a Cinderela chama pombas que atacam os olhos das irmãs, como castigo e vingança por a terem maltratado.
Afinal a Cinderela não é assim tão boazinha.
A versão original da Rapunzel é um tudo-nada diferente daquela que se conta hoje em dia. Tem na mesma uma rapariga trancada numa torre por uma bruxa e o único método de entrar é subir pelo seu cabelo. Um dia vem um príncipe e apaixona-se por Rapunzel, visitando-a em segredo.
Faltam só uns detalhes. Algum tempo depois de conhecer o príncipe, Rapunzel pede à bruxa vestidos novos porque os dela estão a ficar justos. Porquê? Porque ela está grávida, mas tendo vivido isolada do mundo a vida inteira, ela não sabe o que isso é e o príncipe não lhe disse. Muito heróico da parte dele. Furiosa ao descobrir o que se andava a passar, a bruxa corta o cabelo da Rapunzel e expulsa-a da torre. Ou seja, temos uma rapariga grávida que não sabe nada da vida sozinha no mundo.
Mais tarde, quando o príncipe vem ver Rapunzel, a bruxa deixa-o trepar pelo cabelo e depois atira-o da torre. Ele cai em cima de uns arbustos espinhosos que lhe ferem os olhos e fica cego. Há, num entanto, um final feliz. Anos mais tarde, anda Rapunzel pelo deserto com os seus filhos gémeos pela mão (a pobre da rapariga teve logo dois). O príncipe ouve-a cantar e, reconhecendo-a pela voz, vai atrás dela. Rapunzel chora por o ter encontrado e as suas lágrimas caem sobre os olhos do príncipe, restaurando-lhe a visão.
Agora, sim, viveram felizes para sempre.
Não é preciso sair da versão habitual para esta história começar a ser estranha e assustadora. Afinal de contas, não só há tentativas de assassinato, como o príncipe decide beijar uma rapariga morta que ele não conhece de lado nenhum e que encontrou na floresta.
Porém, há mais para explorar do que um toquezinho de necrofilia. Vamos por ordem de aparecimento na história. Tudo começa quando a Branca de Neve, ainda criança, se torna uma rapariga lindíssima. Furiosa por a enteada ser mais bonita do que ela, a madrasta (ou a mãe, numa versão mais antiga) ordena a um caçador que mate a Branca de Neve e lhe traga o coração/pulmões e fígado (dependendo das versões) como prova. O caçador não tem coragem de matar Branca de Neve e deixa-a fugir na floresta. Ele leva os órgãos de um animal selvagem para a rainha, que as come com o intuito de se tornar imortal.
A partir daqui, tudo regressa ao normal. Branca de Neve encontra os sete anões e passa a morar com eles. Graças ao espelho mágico, a bruxa descobre que ela está viva e tenta matá-la três vezes. A Branca de Neve, uma jovem brilhante, cai nas três armadilhas. Lá vem o beijo do príncipe e os dois casam-se, porque beijar uma pessoa inconsciente é a base de uma relação duradoura. A rainha volta a descobrir que afinal Branca de Neve ainda não morreu e aparece no casamento para a tentar matar mais uma vez. Para a castigar, o príncipe ordena que lhe calcem um par de sapatos de ferro a escaldar e que a rainha dance até morrer. Nada anima um casamento como uma execução violenta.
Por alguma razão, Branca de Neve não foge a sete pés deste homem e os dois vivem felizes para sempre.
Sem acrescentar nada à história ainda, temos uma criança que atravessa a floresta sozinha (o que se passou pela cabeça desta mãe?) e se cruza com um lobo que a engana e lhe come a avó. Tendo em conta tudo o que fica subentendido em relação ao que acontece a crianças que falam com estranhos, não é preciso ir longe para esta história ser assustadora.
Mas a história não teria graça se não houvesse um bocadinho mais de sangue e violência. Depois de comer a avó, o lobo tenta comer a neta. Há versões em que manda a Capuchinho despir-se e deitar-se na cama antes de a comer. Noutras, o lobo mata a avó e deixa a carne e o sangue para a Capuchinho Vermelho comer, porque o que é uma história infantil sem um pouco de canibalismo?
Nem tudo acaba mal, só depende de onde termina o conto. Às vezes, a Capuchinho Vermelho e a avó são salvas por um caçador/lenhador, noutras é a esperteza da Capuchinho que a protege, com ou sem a ajuda de umas lavadeiras. O meu final favorito é aquele em que a Capuchinho e avó, depois de sobreviverem ao primeiro, matam um segundo lobo que tenta atacá-las.
Alguém devia escrever a história de avó e neta que correm o mundo a caçar monstros. Ficava excelente em qualquer formato.
Toda a gente conhece a história de Hansel e Gretel. Toda a gente sabe que é uma história para crianças. E toda a gente sabe que é sinistra como o caraças.
As histórias de que falei até agora têm versões originais mais sangrentas e assustadoras do que aquelas que chegaram aos nossos dias. Algures no tempo, os adultos tomaram a decisão sensata de eliminar os elementos mais violentos. Mas, por alguma razão, Hansel e Gretel continua uma história de terror disfarçada e não exactamente apropriada para crianças.
Ora vejamos: Primeiro, os pais que abandonam as crianças no bosque porque não têm como as alimentar. Depois, encontram a casa da bruxa, feita de doces especificamente para atrair crianças. A seguir, Hansel é trancado numa gaiola e alimentado para engordar porque a bruxa o quer comer, enquanto Gretel é escravizada. Por fim, Gretel mata a bruxa trancando-a dentro do forno.
Como é que isto é uma história para crianças?! Como é que há livros com esta história publicada e ilustrada ao pé das outras como se fosse perfeitamente normal? Pelos menos, nas outras histórias alguém cortou as piores partes. Como é que não ficamos todos marcados para a vida com este conto?
Estas histórias não são as mais assustadoras, são apenas as que chegaram até nós. Nas coleções dos Irmãos Grimm e de autores anteriores, há imensos contos mais violentos, mas não são os contos com que crescemos.
Por isso, da próxima vez que sair um novo filme ou que virem alguém a contar histórias às crianças, lembrem-se que a Capuchinho Vermelho comeu a própria avó ou que as irmãs da Cinderela mutilaram os próprios pés.
Sonhos cor-de-rosa.
Redes Sociais