O estereótipo de fantasia ainda é o de cavaleiros e castelos num pano de fundo inspirado por numa pseudo Europa medieval que não existiu bem assim. Esta é uma visão redutora, porque a fantasia tem muito mais para oferecer. Ora, vamos a The Poppy War, de Rebecca F. Kuang.
Perdi um fim de semana para este livro, não no sentido de tempo mal gasto, mas no de o tempo ter desaparecido sem dar por ele. Tanto era de manhã, como dali a bocado tinha que acender a luz para ler porque tinha anoitecido. Entre estes dois momentos, eu estava algures em Nikara.
A protagonista, Rin, é uma órfã de guerra oriunda de uma província rural que deseja algo mais na vida. Para isso, candidata-se ao exame mais importante e concorrido em Nikara. E não só passa, como tem uma nota bastante alta e entra na prestigiada academia militar: Sinegard.
A primeira parte do livro foca-se na vida de Rin enquanto rapariga pobre que entra numa escola cheia de meninos ricos e snobs que acham que ralé como ela não pode estar ao nível deles. Rin não só tem de tentar apanhar os seus colegas que se prepararam para isto a vida inteira, como tem que lidar com o seu classismo, sexismo e colorismo. Mas Rin não brinca em serviço quando se trata de pôr os colegas no lugar. Esta miúda é badass com todas as letras.
Nada disto é muito diferente do nosso próprio mundo. As maquinações políticas e intrigas que controlam Nikara são tão reais e vívidas quantos as nossas. Aliás, facilmente se traça uma ligação da história violenta de Nikara e Mugen com os múltiplos conflitos sangrentos entre a China e o Japão.
Porém, há uma diferença chave entre este mundo e o nosso: deuses que conferem poderes extraordinários aos mortais. Por um preço, claro. Rin treina para alcançar este nível, mas não é a única. Há múltiplos deuses, e cada um é uma verdadeira força da natureza. Mas poder suficiente para derrotar os inimigos é também suficiente para destruir o mundo.
O que nos traz à segunda parte, quando depois de ameaçar durante duzentas páginas, a guerra finalmente estala entre Nikara e Mugen novamente. A partir daqui temos mais magia, mais táticas militares, mais reviravoltas de dar um ataque cardíaco, e um nível de violência gráfica que nunca vi antes. E eu li A Song of Ice and Fire. Ficam avisados: os horrores da guerra são postos cruamente a nu.
É aqui que todas as pequenas peças se juntam para formar um puzzle brilhante. Todos os bocadinhos de world-building, todas as interações entre personagens, todos os pequenos acontecimentos sem importância… Tudo isso nos conduziu, sem darmos por ela, a este clímax épico.
Para ser sincera, não estou à altura de escrever um artigo à altura da espetacularidade que é The Poppy War. Escreva eu o que escrever, vai ser sempre pouco ao pé de um livro tão bom quanto este. É devastador em todos os bons sentidos.