Better Days abre com uma Chen Nian adulta (Zhou Dongyu), professora, a ensinar aos seus alunos a gramática inglesa com a frase “Este costumava ser o nosso recreio.”, salientado que esse tempo verbal implica um sentimento intangível de nostalgia e perda. Na narrativa profundamente comovente que se segue sobre o seu passado brutalizado pelo bullying, torna-se difícil imaginar que Chen se possa sentir nostálgica relativamente aos seus dias como estudante.
Chen Nian está entre as melhores alunas do ano, apesar de vir de um passado pobre e cheio de dívidas, sendo a filha chave de uma mãe forçada a vender produtos falsificados para sobreviver. Este seu “playground” é delimitado pelos perímetros de um sistema educacional de alta pressão no que toca aos exames para entrar na faculdade, e do qual deriva o bullying escolar desenfreado que pauteia todo o filme. A narrativa não linear e multifacetada do filme torna-se uma dissecação incisivamente séria do diretor de Hong Kong, Derek Tsang Kwok-cheung, sobre a vida dos estudantes chineses, mais especificamente durante a sua preparação para o Gaokao, o exame anual de admissão à faculdade nacional da China.
Tudo começa com o suicídio de uma aluna devido ao bullying liderado por Wei Lai (Zhou Ye), e o pequeno ato de bondade de Chen Nian em cobrir o corpo, ato esse que rapidamente a torna no próximo alvo. A polícia é chamada à escola para investigar o suicídio, e o jovem detetive Zheng (Yin Fang), contrariamente aos seus superiores, consegue perceber que há mais por detrás daquele suicídio, e consegue criar uma pequena relação de confiança com Chen, que fala da sua consciência, do seu sentimento de culpa por não ter interferido no bullying feito à sua colega, e de Wei, o que a torna ainda mais vítima nas mãos desta.
Paralelamente, Chen Nian é puxada para o meio de uma luta de rua na qual acaba por ajudar o jovem gangster Xiao-bei (Jackson Yee), que por sua vez, de modo a retribuir o favor, começa a proteger Chen Nian dos abusos de Wei Lai, introduzindo-nos para a história angustiante destes dois adolescentes problemáticos que se apaixonam enquanto se protegem e ajudam mutuamente. Inesperadamente, o filme começa a se desenvolver em uma terna história de amor, pontuada por cenas breves, mas visceralmente perturbadoras, de abuso psicológico e físico de grupos de pares, durante as quais aqueles que não participam ativamente simplesmente ficam em silêncio, desviando os olhos.
A partir daqui, o diretor Tsang experimenta uma abordagem de fusão de género cinematográficos que na minha opinião resulta muitíssimo bem, transformando este assunto sensível num melodrama adolescente, que por sua vez se torna num thriller em que Chen Nian e Xiao-bei são arrastados para uma investigação policial. Temos, contudo, também, alguns momentos em que Tsang falha na sua narrativa e na forma como a aborda no ecrã, tocando desnecessariamente em questões sociais fora do tópico, o que acaba por resultar numa falta de espaço para desenvolver totalmente personagens secundários como Wei Lai, e até alguns enredos paralelos como sejam o violador em série que parece andar à solta.
Nomeado para melhor filme estrangeiro pela Academia em 2021, Better Days mereceu o seu lugar, não só pela história comovente e impactante, e pela forma como retrata toda uma parte da sociedade chinesa, desde a pobreza, às pressões sociais e escolares, o amor e o peso do futuro nos jovens, mas também pela cinematografia exímia e performances absolutamente extraordinárias por parte dos nossos dois protagonistas. Um filme pesado, mas que acaba num tom de esperança num esforço redentor que tem vindo a ser feito para impedir situações como a retratada de acontecerem.
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