Regressar à Nova Iorque da Insomniac era algo que já esperava há uns anos. Cheguei tarde à sua reinterpretação da história de Homem-Aranha, mas cheguei numa altura perfeita. Joguei o primeiro capítulo algures a meio de 2020, mesmo antes do lançamento de Miles Morales e já com as ideias alinhadas para a existência de um segundo capítulo. Atualmente estou a ler as origens da Marvel de Stan Lee, onde está incluído o Homem-Aranha e tem sido uma experiência muito interessante ver as grandes diferenças da forma como os super-heróis eram retratados naqueles anos. É importante realçar que independentemente dos anos, o Homem-Aranha é uma história que vai muito além do super heroísmo e que oferece uma visão mais próxima do humano por detrás da máscara.
A Insomniac mantém esta ideia muito firme desde o primeiro capítulo e reinterpretam as histórias do aranhiço de forma a nunca deixar de lado o lado Peter Parker do personagem. Neste contexto, o estúdio trabalhou a história de Miles Morales para encaixar da melhor forma com a restante narrativa. O jogo que nos permite conhecer mais sobre este segundo Spider-Man é curto, mas oferece-nos uma visão muito única sobre o personagem, ligando o jogador a uma secção muito importante e alargada do universo aranhiço. Por isso, se não tiveram oportunidade de jogar o primeiro capítulo e o spin-off Miles Morales, não se aventurem neste segundo jogo. É preciso alguma bagagem para compreender, mas principalmente sentir algumas das histórias aqui contadas.
Spider-Man 2 apresenta pela primeira vez a possibilidade de trocar em tempo real de personagem e assim explorar diferentes tipos de narrativa. Contudo, se estão à espera de uma experiência semelhante ao jogo GTA V, não é bem esse o caso infelizmente. Julgo que o jogo tinha muito a ganhar com essa experiência mais real de cada personagem estar realmente a fazer algo no mapa e aquando da mudança, vivêssemos esse momento. Invés disso, a mudança é simplesmente feita em substituição no local onde nos encontramos. Este formato não ajuda num detalhe que pode fazer confusão a alguns jogadores, que é o timing dos acontecimentos. Se estamos perante um momento mais intenso da narrativa e temos de passar de uma para outra missão, podemos facilmente perder uma série de tempo pela cidade com o outro personagem. Não há muito realismo na passagem do tempo na narrativa principal. Apesar de ser uma questão que pouca diferença faz no final das contas, pessoalmente fez-me alguma confusão.
É importante referir que viver esta história com os dois personagens está muito bem idealizado. A forma como certas missões nos fazem viver no papel de Miles ou de Parker dão ao jogador visões diferentes e únicas que se complementam de forma muito interessante. Mais ação, diversidade maior de histórias principais e paralelas, mais cidade para cobrir. Tudo neste jogo alarga a escala dos anteriores e eleva o que foi feito antes para níveis de uma ótima experiência. Mas vejo como referência a escalada de ideias aqui colocadas para realçar a importância de Miles e perceber de que forma os dois personagens vão trabalhar daqui para a frente. Spider-Man 2 é mais que uma sequela, é um jogo de transição onde o estúdio soube como trabalhar e apresentar ao jogador tudo o que precisa para um final em grande, mas bem como abrir portas para futuras possibilidades.
Como referi anteriormente, tudo neste jogo é mais extenso que o já visto nos anteriores. No entanto, a pergunta que faço é se o mundo apresentado não é mesmo demasiado grande para o que o jogo precisa? A verdade é que senti Spider-Man 2 muito mais fechado e linear na sua principal narrativa. Principalmente depois das primeiras 4-5 horas. O mundo aberto disponível parece afastar-se demasiado da trama. Se em Spider-Man e Spider-Man Miles Morales, os espaços da cidade eram palco de diversos acontecimentos e tudo parecia fazer parte dos planos dos vilões, este segundo fecha-se muito mais em espaços bem reduzidos e nos interiores.
Este acontecimento torna a exploração um extra demasiado opcional e aborrecido para alguns jogadores. Acreditem que com 100% feitos neste jogo, senti muitas vezes que a cidade era só um espaço temporário para evoluir o nosso personagem e que faltou que esta funcionasse como uma verdadeira personagem. Porque a realidade é que a cidade é tão importante para estes personagens como os próprios e é pena que se tenha focado em aumentar o espaço ao invés de o criar parte mais próxima da aventura. Contudo, é também importante explicar que em algumas das histórias paralelas, já não tive este sentimento e há um aproveitamento muito mais interessante do espaço que habitualmente exploramos.
Se nos jogos anteriores contamos com um conjunto de vilões de grande importância para o universo do aranha, em Spider-Man 2 foram buscar dois vilões com um tremendo destaque na história e dois dos meus favoritos. Kraven tem umas das melhores histórias nos comics, na minha opinão, e Venom é um personagem que sempre me instigou curiosidade. Os dois destacam-se de forma bem diferente na história. No final, adoraria que os dois vilões tivessem tido mais presença e talvez uma história independente para cada um. Kraven surge de forma avassaladora, e ao longo de muito tempo no jogo senti uma verdadeira ameaça para os Spider-Mans. O problema dessa verdadeira ameaça é que o desfecho é, de certa forma, atenuado pelos acontecimentos posteriores.
No outro lado, Venom é uma das melhores encarnações de sempre deste vilão. A equipa de guionistas fez algo verdadeiramente espantoso com este personagem, conectando-o à história de forma sublima e conseguindo explorar uma humanidade ao homem por detrás do vilão. Foi algo realmente incrível de se assistir e a sua evolução ao longo em Spider-Man 2 é muito bem elaborada e deixa sempre aquela sensação de sabermos o que vai acontecer, mas nunca sabemos bem como ou quando. A ligação deste vilão com os personagens é muito bem explorada e senti que foi mais interessante de observar que a sua ligação com o Kraven. Adorei imenso ver estes dois vilões nesta aventura, mas continuo a reforçar que seria interessante que cada um deles tivesse mais destaque e principalmente, que tivesse uma história só deles. São interessantes e completos o suficiente para serem o principal vilão da história e não dois meios.
Spider-Man 2 não é um jogo perfeito. Como já podem ter percebido até aqui, há algumas questões que não me levam a sentir que este título não tem uma inovação assim tão profunda em relação aos anteriores. Contudo, isto não quer dizer que estejamos perante um jogo mediano, bem pelo contrário, este é um jogo muito próximo de ser incrível. É incrivelmente divertido e conta com momentos muito bonitos. Aliás, há certas passagens secundárias que conseguem ser mais emocionantes que a própria campanha principal. É incrível como conseguiram encerrar algumas pontas soltas dos primeiros jogos e ainda explorar novas ideias para o futuro. A capacidade narrativa é percetível ao longe, mas julgo que o mais interessante é a forma como olham para o material de base e conseguem criar algo tão dinâmico, divertido e capaz de nos fazer emocionar de várias formas.
Como disse antes, é uma pena que não possamos viver de outra forma algumas das personagens, ou como estas podiam ter sido aproveitadas de outra forma. No entanto, não o disse como uma forma de problema, mas como o que eu gostaria de ver acontecer. Haveria algumas formas de tornar a narrativa principal bem mais emocionante e até chocante para o jogador, mas a forma como a Insomniac trabalhou este jogo é sem dúvida de alguém que tem verdadeiros fãs do universo. E é por este motivo que a narrativa incrível aqui apresentada deixa-me entusiasmado pelo futuro da Marvel nas suas mãos. Espero que a Sony saiba aproveitar este asset incrível, mas principalmente que a Marvel perceba onde é que as suas propriedades intelectuais podem prosperar. Além do mais, a Insomniac deixou caminho aberto para explorar ainda mais este universo, com várias referências ao longo de todo o jogo.
Com o jogo a 100%, fica pouco para explorar no final da nossa aventura. A verdade é que o primeiro jogo foi incrível por nos proporcionar a cidade toda para explorar livremente e de uma forma tão natural que se tornava extremamente divertido andar simplesmente a passear. Aqui, essa surpresa passa ao lado e isso leva-me a não ter grande motivo para regressar no final da aventura. Será para quem gosta de repetir com mais desafio ou explorar as capacidades da fotografia com tempo e calma, sem a pressão de avançar para a próxima missão, ou até para quem deixou alguns dos conteúdos secundários por fazer. São os motivos que vejam que possam levar alguém a voltar ao jogo.
Na minha opinião, as cerca de 29 horas que me levaram aos 100% são perfeitas para este jogo. Não havia necessidade de acrescentar mais tempo com missões secundárias, e para a narrativa principal, julgo que as suas cerca de 20 horas são mais que suficientes. Estou um pouco cansado de títulos que precisam de 50 ou 60 horas para contar uma história. É desnecessário e a meio caminho já sinto que não sei o que se passou no início. É importante não descurar da história e a verdade é que os videojogos são um espaço perfeito para contar histórias mais longas, sem aquelas limitações típicas do cinema, por exemplo. No entanto, há limites para o aceitável e nem todos os jogos requerem tempos longos para contar uma história. Acho que a Insomniac acertou em cheio neste aspeto, mas principalmente para resolver toda a aventura sem me sentir frustrado porque falta algo ou porque preciso de fazer mais 30 missões secundárias para conseguir estar forte o suficiente para terminar o jogo.
A progressão é muito natural e funciona perfeitamente para que o jogador consiga completar tudo sem sentir que seja por obrigação. É divertido progredir pela aventura e estar na pele de Peter ou Miles em todos os capítulos desta história, sendo altamente gratificante. Cada um dos capítulos secundários nos oferecem momentos únicos tão bons como a história principal, ou até melhores e isto ajuda-nos a mais facilmente explorar tudo o que é secundário.
A Insomniac conseguiu criar aqui mais um jogo obrigatório da PlayStation 5 e neste complicado ano de 2023. Apesar de para mim não ser o jogo perfeito, sem dúvida Spider-Man 2 é um dos melhores neste, oferecendo uma experiência altamente divertida. Um acerto quase perfeito numa aventura digna do super-herói, onde a evolução de Miles é incrível e a relação entre Peter, MJ, Harry e até o Miles é muito bem desenvolvida. Um grande foco nestes personagens, sem se divergir muito, mas com abertura suficiente para deixar imensas possibilidades para o futuro. Foi entusiasmante e sem qualquer dúvida que não dei pelo tempo passar. Aliás, quando terminei, fiquei surpreso por ter praticamente 30 horas de jogo. Se ainda não estão a explorar Spider-Man 2, ou se ainda não exploraram nenhum deles, então aproveitem, pois estão todos na PlayStation 5 e são todos mais do que recomendados.
Esta análise foi possível com o apoio da PlayStation Portugal!
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