Mickey 17 – Uma Adaptação Que Reinventa a História
Publicado a 08 Mar, 2025

Da Página ao Ecrã: Uma Jornada Inesperada

No início de 2025, decidi embarcar numa leitura inesperada. Durante o Fórum Fantástico de 2024, ganhei um exemplar de Mickey7, um livro de Edward Ashton que, até então, desconhecia. Mas quando percebi que Mickey 17, o novo filme de Bong Joon-ho, era inspirado nesta obra, decidi explorá-la antes da estreia.

E essa experiência revelou-se fascinante. O livro e o filme partilham a mesma premissa: Mickey é um “dispensável”, um humano clonado que pode morrer e ser recriado com as suas memórias intactas, sendo usado para missões de alto risco. Mas apesar de partirem do mesmo conceito, as duas versões desenvolvem a narrativa de formas distintas.

A grande questão não é se as mudanças foram positivas ou negativas, mas sim como elas transformam a experiência. E, no meu caso, essas diferenças tornaram a adaptação ainda mais interessante.

As Mudanças na Narrativa e nas Personagens

Uma das transformações mais notáveis entre livro e filme está na forma como os personagens são construídos. Bong Joon-ho não se limitou a adaptar a história – ele remodelou as dinâmicas e os traços das figuras centrais para servir a sua visão cinematográfica.

A jornada de Mickey continua a ser o eixo da narrativa, mas a forma como ele encara a sua existência e interage com os outros mudou. Enquanto o livro tem um tom mais introspetivo e explora as crises internas do protagonista, o filme oferece-lhe um ritmo mais dinâmico, tornando-o uma peça mais ativa na crítica social que o realizador quer explorar.

As relações interpessoais também são diferentes, refletindo perspetivas distintas sobre a exploração humana, a hierarquia e o poder. Algumas personagens assumem papéis mais políticos e satíricos, enquanto outras se tornam essenciais para amplificar o impacto emocional da narrativa. São mudanças que alteram o percurso da história, mas sem desvirtuar a sua essência.

A Experiência: Como o Filme e o Livro se Complementam?

Uma adaptação nunca será um reflexo exato do material original, e isso não precisa de ser algo negativo. Em vez de tentar copiar Mickey7 para o ecrã, Mickey 17 reinventa a forma como a história é sentida, oferecendo uma nova abordagem ao conceito do dispensável.

Enquanto lia o livro, senti-me mergulhado numa ficção científica mais intimista, onde a narrativa era impulsionada pelo protagonista e pelos seus dilemas internos. No filme, a experiência foi diferente – mais carregada de subtexto, crítica social e uma estrutura narrativa que coloca em primeiro plano as dinâmicas coletivas dentro da colónia.

Essa mudança de foco não torna um melhor do que o outro, apenas diferentes. Bong Joon-ho usa a sua linguagem cinematográfica para expandir a história, sem perder o impacto do conceito original.

O Que Funciona Melhor no Filme?

Se há algo que faz com que Mickey 17 funcione, é a assinatura do realizador. Bong Joon-ho tem a capacidade única de equilibrar entretenimento com uma crítica social poderosa, e isso reflete-se tanto no tom do filme como nas interações entre as personagens.

A cinematografia e os efeitos especiais criam um mundo visualmente imersivo, onde cada detalhe contribui para reforçar a mensagem do filme. A história mantém a essência do livro, mas ao mesmo tempo reformula-a para oferecer uma experiência que pode cativar tanto quem já conhece Mickey7 como quem entra neste universo pela primeira vez.

Para quem leu o livro, algumas mudanças podem ser inesperadas. Mas, em vez de afastar o público, estas alterações tornam a adaptação mais orgânica dentro do estilo do realizador, mantendo um equilíbrio entre novidade e familiaridade.

Veredito Final

Mickey 17 é um excelente exemplo de como uma adaptação pode respeitar o material original sem se limitar a ele. Bong Joon-ho transforma a premissa do livro numa experiência cinematográfica única, mantendo a essência da história enquanto a molda para um novo público e uma nova linguagem narrativa.

Se procuras um filme de ficção científica inteligente, que mistura filosofia, sátira e um toque de ação, esta é uma aposta segura. Se já leste o livro, entra nesta experiência com a mente aberta – as mudanças não desvalorizam a história, apenas a reinterpretam para um novo formato.

E no final, a pergunta central continua a mesma: será que uma vida clonada continua a ser uma vida? Ou já vivemos num sistema onde a individualidade é cada vez mais dispensável?

Mickey 17
Muito Bom
Realizador:
Argumento:
Duração: 02H17M (137 min)
Ano: 2025
Distribuição:
Lançamento: 6 de Março de 2025
8
  • Positivo
  • Adaptação criativa – Respeita a essência do livro, mas reinventa a narrativa para um novo meio
  • Equilíbrio entre entretenimento e crítica social – Bong Joon-ho mantém a sua assinatura com uma abordagem satírica e reflexiva
  • Visualmente cativante – Boa cinematografia e efeitos especiais que reforçam a atmosfera do filme
  • Personagens bem desenvolvidas – Embora diferentes do livro, as alterações dão profundidade e um novo ritmo à história
  • Tom acessível e dinâmico – Em vez de um sci-fi muito filosófico, o filme aposta numa narrativa envolvente e instigante
  • Negativo
  • Diferenças significativas podem dividir opiniões – Quem espera uma adaptação fiel ao livro pode estranhar as mudanças
  • Menos introspeção, mais espetáculo – A abordagem mais coletiva da história pode diminuir o impacto dos dilemas individuais de Mickey
Escrito por:
Eduardo Rodrigues
Considero-me um geek da cabeça aos pés. Adoro uma boa leitura, apreciar a arte da BD e da Manga, ver de uma assentada aquela série ou anime incrível, ir ao cinema e devorar um filme e deliciar-me com uma aventura interativa nos videojogos e nos jogos de tabuleiro. Sou um adepto da mágica Briosa e um assistente fervoroso no estádio.