Há sempre livros que nos tocam mais perto de casa, especialmente se a nossa casa, ou o nosso lar, se tratar da vida no campo, onde parece tudo mais simples, mas também mais próximo.
Este é o caso do livro de Licínio Nunes, um livro que conta uma história pouco vulgar, mas mesmo assim muito familiar para todos aqueles que viveram em aldeias espalhadas nos arredores da gigante área metropolitana que é o Porto. Podemos considerar um livro singular em comparação com o estilo literário atual, que acaba por ser mais citadino e/ou fantasioso. “O Inocente Culpado” transporta-nos para a literatura rural, na qual o autor deposita um pouco de si, mostrando-nos onde nasceu e o que criou os seus fundamentos, mas misturando também influências da cidade.
Confio que muitos leitores irão apreciar que neste livro encontramos lembranças do nosso passado jovem: dos bailes de vila, dos padres omnipotentes, das donas coscuvilheiras, e claro que não nos podemos esquecer das inúmeras intrigas da vila. Infelizmente, admito que a minha vida de vila foi um pouco temporária, quando nasci já não se faziam bailes, e os padres apesar de ainda grandes influências acabaram por ir para o desaparecendo. Contudo, penso que todos já tivemos o prazer de encontrar as senhoras coscuvilheiras que contam histórias muito semelhantes à do O Inocente Culpado.
Mesmo assim, não podemos dar só mérito à ligação que o autor conseguiu fazer entre o passado e o presente, conseguindo trazer malta essencialmente citadina a apreciar as loucuras do campo. Temos também de celebrar este autor pela sua capacidade incrível de nos enganar. “Enganar” pode parecer uma palavra curiosa quando falamos de um livro, mas é precisamente esta brilhante técnica que torna o livro muito mais apreciado. Relembrando os livros policiais é nos dado inúmeros enredos, todos parecendo igualmente importantes, só para que no final sejamos surpreendidos por algo que curiosamente já sabíamos.
O narrador foca-nos para um acontecimento que nunca terá qualquer resolução e assim distrai-nos do verdadeiro romance. O romance vai acontecendo lentamente e de forma que nós mesmos, conhecedores do que poderá correr de mal, esquecemos nos completamente do que esse mal realmente é. Aqui está o brilhante da técnica narrativa de Licínio Nunes, o narrador revela-nos tudo o que possa ser relevante à história, leva-nos mesmo a conviver com personagens que de um momento para o outro desaparecem, somente pelo facto de que assim não nos apercebemos do caos que acontece por entre as linhas.
Podemos dizer que é um livro inerentemente realista. Por muito fantasioso seja, acabamos por sentir que já ouvimos estas histórias antes, todos conhecemos um vizinho criminoso, ou então alguém que tenha ido para fora viver, ou mesmo bebés nascidos fora do casamento. Antigamente, estes acontecimentos dramáticos espantariam muitos, atualmente são mais histórias dos nossos avós que dão gozo à vida.
Sem revelando grandes detalhes sobre o verdadeiro desenlace do livro, acabamos por nos rir de todos os desastres. Claramente, o livro acaba por ser uma crítica à vergonha social, vergonha que leva à maldade e à condenação de inocentes. Mesmo assim, vivendo em sociedade, que se há de fazer?
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