O Senhor dos Anéis: Os Anéis do Poder – É o pesadelo de qualquer ourives
Publicado a 28 Out, 2022

Ou por outras palavras, quando me casar também quero um anel destes para mandar em toda a gente…

Como o programa de televisão mais caro alguma vez já feito, O Senhor dos Anéis: Os Anéis do Poder, da Prime Video, tinha tudo para falhar quando confrontado com as enormes expectativas que apenas o seu anúncio revelou. Ao mesmo tempo que precisava satisfazer os puristas que estudaram O Silmarillion de J. R. R. Tolkien e estavam atentos a qualquer pequeníssimo desvio ao cânone, tinham também de atrair os que nunca ouviram falar da Terra-média ou tinham apenas vagas lembranças de ver os filmes, duas décadas atrás. Para além disso, tinha também de lidar com os desafios de construir mistério e tensão dentro de uma prequela, enquanto competia diretamente com um novo spinoff de Game of Thrones.

O investimento maciço neste épico fantástico, no entanto, parece ter valido a pena. A primeira temporada de O Senhor dos Anéis: Os Anéis do Poder embora longe de ser impecável ou perfeita, conseguiu surpreender pela positiva.

Desenrolando-se durante a Segunda Era da Terra-média, apesar de condensar consideravelmente eventos que se estenderam por milénios na mitologia de Tolkien, o enredo enfrenta muitos dos mesmos conflitos da Terceira Era, com fações divididas pela desconfiança histórica e lidando com os seus próprios conflitos internos, o que torna difícil para eles reconhecer ou responder a problemas maiores. A história parece atemporal e imediatamente relevante, visto que se baseia no que Tolkien imaginou enquanto vivia a Primeira Guerra Mundial, e, tal como acontece com a saga do Senhor dos Anéis, encanta logo de início. No entanto, contrariamente a esta, peca pela estrutura. Os enredos ora se aproximam, ora se afastam, com personagens e locais às vezes sendo abandonados por episódios inteiros. Os episódios viajam entre ação pura com espetaculares batalhas e sequências de cortar a respiração, e um romance com falta de ritmo ou direção.

Onde não parece faltar direção, no entanto, é na identidade dos personagens, ou, mais precisamente, no ocultar destas mesmas. Grande parte do conflito da temporada é dedicado a tentar descobrir Sauron. Será ele o misterioso Estranho que cai do céu e é levado pelos harfoots, o lorde das trevas que comanda o exército de orcs pelas Terras do Sul, o belo descendente de uma dinastia perdida querendo começar de novo, ou alguém completamente diferente? Com tantas possibilidades, o enredo complica-se e fica mais interessante, o que quando aliado a momentos de ternura, focados no poder da amizade e da comunidade, batalhas angustiantes onde a escuridão se aproxima, e uma banda sonoro irrepreensível, tornam a série em algo de memorável.

Performances como a de Morfydd Clark como Galadriel elevam ainda mais a história. O seu desempenho como uma guerreira tão consumida na sua busca pelo vilão, que pelo caminho se vê consumida pelas trevas é cativante, incorporando a graça e o poder sobrenaturais dos elfos, com a força e imponência de uma guerreira. Clark é particularmente eletrizante nas suas cenas com Halbrand, e ambos os atores entregam uma química romântica cheia de subtilezas que preenche o ecrã.

Os personagens originais oferecem, ainda, uma oportunidade de aprofundar o mundo quando a história se afasta das personagens principais. O doce romance entre o Arondir e Bronwyn fornece uma nova perspetiva sobre os impactos duradouros da guerra contra Morgoth, enquanto os harfoots servem o mesmo propósito que os seus descendentes, os hobbits, oferecendo alívio cómico junto com um retrato de inocência, enquanto fazem o possível para navegar num mundo cada vez mais perigoso. A nova diversidade apresentada é refrescante e natural, o que nos faz julgar mais aqueles que a criticam do que a sua inserção num mundo de fantasia. Afinal de contas, muitas vezes o problema apenas existe nos olhos de quem vê.

Em jeito de conclusão, O Senhor dos Anéis: Os Anéis do Poder em grande parte é bem-sucedido ao permanecer fiel aos temas e tom de J. R. R. Tolkien, mesmo quando toma liberdades criativas. O bem e o mal continuam reais e presentes. A luta entre os dois, travada com fogo, espadas, e os corações de cada pessoa quando enfrentam a escolha entre medo e coragem, amor e ódio. Algum enredo inconsistente e desorientação desnecessária atrasam, mas não atrapalham a história, e quando atinge o seu clímax no sexto episódio, tudo se encaixa de forma brilhante. Embora os anéis titulares não façam a sua primeira aparição até o final da temporada, os episódios que levam a essa revelação raramente parecem desperdiçados, permitindo que os escritores mostrem o mundo através da cinematografia e produção absolutamente extraordinária.

O Senhor dos Anéis: Os Anéis do Poder
The Lord of the Rings: The Rings of Power
  • Positivo
  • Cinematografia e produção absolutamente extraordinária
  • Construção da história bem executada
  • Personagens originais
  • A diversidade apresentada é refrescante e natural
  • Performances sólidas
  • Negativo
  • Primeiros episódios perde um pouco na realização e direção
  • Ritmo um pouco lento por vezes
  • Algum enredo inconsistente e desorientação desnecessária
Escrito por:
João Simões
Viajante perdido à procura de sentido nas respostas dos outros. O personagem do Forky no Toy Story 4 em plena crise existencial é o meu animal espiritual. Quando ganhar um Óscar agradeço pelo meio à Cris e ao Ed se não me despedirem até lá.