O Silêncio de Julie marca a estreia em longas-metragens do realizador belga Leonardo Van Dijl, com uma abordagem sensível e contida sobre um tema particularmente delicado: os abusos no mundo do desporto e o peso do silêncio que muitas vezes os rodeia. Com uma narrativa subtil, o filme levanta questões sérias sobre o impacto psicológico deste tipo de ambiente nas jovens atletas.
Este filme tem no seu elenco Tessa Van den Broeck (Julie), Grace Biot (Laure), Alyssa Lorette (Inès), Noah Lecloux (Noah), Luca de Maar (Luca), Qays Jahier (Qays), Tommy Buyl (Tommy), Claire Bodson (Sofie), Pierre Gervais (Backie), Laurent Caron (Jeremy), Tamara Tricot (Aline), Ruth Becquart (Liesbeth), Koen De Bouw (Tom).
A protagonista Julie, interpretada com grande nuance por Tessa Van den Broeck, é uma jovem promissora no ténis, que vive mergulhada entre os treinos intensivos e a pressão constante do seu clube. Ao longo do filme, acompanhamos o seu quotidiano — entre a escola, os treinos e os momentos com a família e amigos — e é nesse ritmo quase banal que o filme constrói a tensão emocional. Julie é tímida, introspetiva, mas dedicada, e a câmara acompanha-a com respeito e distância, quase como se hesitasse em invadir o seu espaço interior.
Tudo se altera quando o treinador do clube, Jeremy, é implicado num escândalo grave envolvendo outra rapariga. Ainda que Julie não esteja diretamente envolvida, o ambiente à sua volta transforma-se. As raparigas do clube são encorajadas a falar caso tenham passado por algo semelhante — mas Julie escolhe o silêncio. Esse silêncio, mais do que ausência de palavras, torna-se um grito mudo que pesa sobre cada cena, cada expressão contida, cada gesto retraído.
O filme nunca nos dá respostas diretas — e talvez nem precise. Ao optar por uma narrativa mais implícita, O Silêncio de Julie obriga o espectador a observar com atenção os silêncios, as hesitações, os olhares perdidos. Isso pode frustrar quem espera uma história com um clímax explícito, mas ao mesmo tempo sublinha o desconforto real de tantas vítimas que não conseguem — ou não querem — verbalizar o que viveram.
Há que destacar o envolvimento da antiga estrela do ténis Naomi Osaka como produtora, cuja experiência com ansiedade em contextos competitivos ecoa na personagem de Julie. A identificação com esse tipo de vivência dá ao filme uma camada adicional de autenticidade.
Do ponto de vista técnico, o filme acerta em alguns aspetos e falha noutros. As cenas de treino são bem filmadas e transmitem o amor de Julie pelo desporto, reforçando o contraste com o peso emocional que carrega. No entanto, a banda sonora é quase inexistente e, nos momentos certos, poderia ter amplificado a tensão emocional. Além disso, algumas escolhas de enquadramento e ângulos de câmara são estranhas e pouco eficazes, desviando a atenção da narrativa. O diálogo, embora coerente com o tom minimalista do filme, por vezes soa demasiado cru ou mal lapidado, dificultando a compreensão emocional de algumas cenas-chave.
O Silêncio de Julie não é um filme fácil nem será, provavelmente, um sucesso de massas. Trata-se de uma obra introspectiva e pesada, que exige atenção e sensibilidade por parte do público. O tema que aborda é urgente e relevante, mas a forma como o faz — através de uma narrativa lenta, com muito subentendido — pode afastar espectadores mais habituados a tramas explícitas e ritmos acelerados.
Ainda assim, para quem aprecia cinema com temas sociais fortes e representação honesta das realidades psicológicas por trás da alta competição, O Silêncio de Julie é uma obra importante. É uma estreia promissora para Van Dijl e uma reflexão corajosa sobre o que permanece por dizer, mesmo quando o silêncio fala mais alto que qualquer palavra.
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