Oppenheimer
Publicado a 21 Jul, 2023

E a destruição do mundo

Quando Prometeu roubou o fogo aos deuses e o entregou aos homens, não lhes deu apenas o calor e a luz; deu-lhes também a esperança.

Robert Oppenheimer, o pai da bomba atómica, não terá querido mais do que entregar-nos a mesma salvação.

Em 1942, já no terceiro ano da Segunda Guerra Mundial, a humanidade pedia isso. Se de um lado os Nazis, comandados por Hitler, devastavam o continente europeu com as suas armas (umas mais bélicas, outras mais ideológicas), do outro a Rússia comunista, ainda que aliada, assustava os temerosos norte-americanos, e ainda de outro lado, o Japão já tinha atacado Pearl Harbor em 1941, empurrando os Estados Unidos da América definitivamente para o conflito mundial.

Muita informação, certo? É talvez por isso que o início de Oppenheimer se apresenta como uma corrida de cenas curtas e cortes que saltam de fala em fala até se estabelecerem num ritmo que encontra finalmente a sua cadência já bem passada uma hora de filme.

Poucos cineastas teriam a ousadia de se desafiarem a si próprios, mas foi exatamente isso que Christopher Nolan fez aqui. O pai de filmes como O Cavaleiro das Trevas, Inception – A Origem e Interstellar, alguns já considerados de culto, não faz senão uso do seu estatuto cinematográfico para nos agarrar pela mão ao início, para nos lançar logo rapidamente numa sucessão de diálogos e cenas de tirar a respiração. Irão reconhecer o Nolan de todos esses filmes aqui, mas não procurem muito por ele, pois talvez haja pouco que encontrar.

E tudo isto se passa enquanto questões urgentes sobre a humanidade são levantadas sem qualquer receio ou aviso. E há espaço para tudo. Há lugar para a desconstrução histórica ou diferentes pontos de vista, mas também para dilemas do amor, do egoísmo ou da genialidade.

As três horas de duração do filme acabam por voar, levadas no ritmo frenético das cenas que espelham a corrida ao armamento, não só durante a Segunda Guerra Mundial, mas também já no início da Guerra Fria. E mesmo que o filme seja um embrulho de factos que estão a acontecer num presente, passado e futuro, com idas e vindas a vários lugares da História e da mente perturbada do Dr. Oppenheimer, tudo começa a fazer mais sentido na hora final (e é aqui que reconhecerão quem estava sentado na cadeira de realizador).

Destaque para a excelente banda sonora composta por Ludwig Göransson (Mandalorian, Black Phanter) e para um cast recheado de atores fenomenais, mas que nunca se impõem acima dos outros, brilhando antes numa fusão perfeita de talentos.

Depois de ter desafiado os deuses, roubando-lhes o fogo que ofereceu à humanidade, Prometeu foi castigado para a eternidade, sendo acorrentado a uma rocha. Todos os dias vem uma águia que lhe devora o fígado, que todas as noites se regenera só para voltar a ser comido outra vez e outra vez e outra vez.

Há um momento no filme em que homens e mulheres celebram eufóricos o feito de Oppenheimer que, tendo roubado aos átomos o poder da destruição total, lhes entregou a salvação. As cidades de Hiroshima e Nagasaki ardem, aniquiladas, mas nunca mostradas. O Japão rendeu-se. A guerra chegou ao fim. Mas no contraste com a parede rochosa atrás de si, a cena mostra-nos o verdadeiro castigo na mente do homem que ao tentar salvar a humanidade lhe entregou a derradeira arma de destruição.

Oppenheimer chega-nos num momento delicado que só os livros de História, daqui a muitos anos, poderão realmente descrever. Há guerra no continente europeu. Os Estados Unidos da América e a Rússia quase voltaram as costas à paz que fragilmente se mantinha. Ventos frios sopram a palavra guerra nuclear por aí. E há quem diga que o fim está próximo.

E é essa a grande culpa e a grande sentença do homem que, ao tentar salvar-nos, nos colocou para sempre à beira do fim.

E o julgamento continua.

O eterno julgamento do homem continua.

  • Positivo
  • Um cast magnífico, com destaque para Cillian Murphy, Robert Downey Jr. e Emily Blunt.
  • Banda-sonora.
  • Realização impecável, edição excelente.
  • Levanta questões e provoca a mente.
  • Diálogos de cortar a respiração.
  • Negativo
  • O ritmo inicial pode apanhar-nos desprevenidos.
Escrito por:
Filipe Branco
Fã de cultura geek em geral, mas é nos livros, videojogos e cinema onde mais me perco. Adoro escrever sobre o que me apaixona e eventos de gaming é comigo. Podem encontrar-me online ou à deriva num dos extensos corredores da próxima Gamescom.