Se eu tivesse mil euros por cada pêlo do corpo de Tony Ramos, continuaria a ser mais pobre do que se recebesse 10 cêntimos por cada vez que Alice in Bordeland, da Netflix, não faz sentido nenhum.
Só para abrir o apetite: há um tipo que assenta uma berlaitada à Cais do Sodré num tigre. Como conseguiu este feito incrível? O campeão, além de ser careca e usar manga cava, chegou, uma vez, a andar no exército. Faz sentido. Eu, por exemplo, como fui ao Dia da Defesa Nacional, devo estar habilitado para, no mínimo, pontapear um lince. O apego que tenho aos meus membros inferiores nunca me permitiu experimentar, mas é bom saber que, se quisesse, extinguia o lince Ibérico ao biqueiro.
Se parvoíce à volta de grandes felinos fosse o único problema da série de Shinsuke Sato, estaríamos nós bem. Só que aquilo que começa com uma premissa promissora – a maioria da população de Tóquio desaparece e os poucos habitantes que restam tem de participar numa série de jogos sádicos para se manterem vivos – depressa redunda no maior desperdício de horas da minha vida. E eu andei na catequese.
É que da mesma forma que três cabelos penteados para o lado não salvam a careca daquele vosso tio que ainda acha que tem cabelo, um bom ponto de partida não salva uma história nem, muito menos, as suas personagens. Por exemplo, e juro que isto é verdade, o mais caro sonho de um dos personagens de Alice in Borderland é receber carne de vaca australiana via drone.
Não é um sonho lindo? Eu, se trabalhasse na Make a Wish, deixava os garotos de lado e dedicava-me apenas a realizar sonhos que envolvessem a junção entre a agropecuária e a tecnologia. São os melhores.
Também há uma miúda transexual com uns moves de Karaté capazes de fazer o Monte Fuji do senhor Mr. Miyagi verter neve, um assassino com tendência para lamber coisas e um maluco de espada e sandálias. Tirando o uso das sandálias, tudo isto poderia dar plots interessantes de seguir, temas fortes para tratar. O problema é que as personagens não são escritas com o interesse de explorar nada que não o seu papel unidimensional na trama. A miúda lixada para a porrada? Durante 95% do tempo não sabemos que é transexual ou lixada para a porrada. O miúdo maluco? Sabe usar uma espada porque sim, é maluco porque sim e usa sandálias porque é doido varrido.
No entanto, o pior de tudo é a forma como a informação das personagens é revelada. Passamos 6 ou 7 episódios a ver um tipo a matar indiscriminadamente, a abusar de uma mulher, e, de repente, quando está quase a sair de cena temos direito a um flashback. Flashback esse que se resume a isto: “Certo, ele foi uma besta nestes episódios todos, mas olha aqui trinta segundos dele a sofrer de bullying.” É uma forma terrível de contar uma história, mas pior do que isso, é uma péssima mensagem a passar. Sim, o bullying é dramático, mas não é desculpa para seres uma besta.
Admito também que numa série onde há pessoas que se riem apenas com o facto de terem acontecido coisas no passado, como se o conceito de tempo fosse a melhor piada do dia, se calhar era demais esperar boas performances. E se a esta altura do texto ficarem surpreendidos pelo que vou dizer a seguir, saibam que tremo só de pensar nas vossas notas de português no secundário. Sim, as atuações são péssimas. Pior, muitas das vezes são o equivalente a um banho de imersão num lago de vergonha alheia. Chega a ser impressionante o quão depressa um ator vai do medíocre ao cringe. Mais depressa, só Eduardo Cabrita a fugir de responsabilidades.
Que falta dizer? Só se for que, numa série de mistério, para mim o maior deles todos continua a ser tentar perceber por que raio existe uma obsessão em mostrar massas a sair ou entrar em narizes. Porque é que há uma miúda que insiste em caçar e dormir ao relento quando os hotéis de Tóquio estão todos à sua disposição? Como é que um tipo leva com 5 balas no bucho (e uma no pescoço) e continua a participar numa espécie 100 metros barreiras como se nada fosse?
(Suspiro).
A escrita de Alice in Borderland é tão má que, só de me lembrar, tenho dores de corpo. Vou tomar um Paracetamol, deitar-me, e fingir que isto nunca aconteceu.
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