Se a remota e muito improvável hipótese de nunca terem assistido a Fawlty Towers for uma realidade, talvez se perguntem porque se dá alguém ao trabalho de rever uma série com mais de 4 décadas. Se já viram percebem, perfeitamente, porque é que eu tinha de aproveitar a “desculpa” de no dia 19 de setembro se celebrarem os 45 anos da estreia do primeiro episódio da seminal série de John Cleese.
Se não viram: larguem este texto, o trabalho, a família e os amigos e vão descobrir. Especialmente se são fans de comédia. É que descobrir Fawlty Towers 45 anos depois de o primeiro episódio ser emitido pela BBC é, para um fan de comédia, o mesmo que um religioso descobrir a Bíblia após andar anos a ler apenas catecismos de segunda linha editados na Bobadela.
Se já viram, mas não revêem há muito, com medo que o tempo tenha estragado a magia, estou aqui para vos tranquilizar o espírito. Quase meio século depois é seguro dizer que a série não só amadureceu bem, como não perdeu nenhum do seu encanto.
Os doze episódios, com pouco mais de vinte minutos cada, continuam a ser o que sempre foram: uma soberba lição de escrita, interpretação e timing. A série, que inicialmente a BBC classificou como “cheia de situações cliché e personagens estereotipadas” segue uma premissa simples. Tão simples que se explica em poucas palavras: Um casal disfuncional gere o seu pequeno hotel de forma louca com a “ajuda” de dois empregados pouco qualificados.
De tão elementar que é, esta premissa, nas mãos de outros autores poderia resultar numa sitcom banal. Mas aqui é eficaz. Aqui é gargalhada certa. Aqui sabemos que escondidas por entre esta aparente simplicidade estão algumas das cenas e piadas mais icónicas das terras de Sua Majestade.
Outra coisa que impressiona, ao rever a série, é a rapidez com que as regras e expectativas deste mundo são alicerçadas. Vamos por as coisas nestes termos: Não deveria ser possível a uma série que decorre apenas em três ou quatro sets e que (ainda por cima) só tem 12 episódios, ser capaz de tão rapidamente tornar claras as regras do jogo. De tão rapidamente dar ao espectador a noção de quem são estas personagens, quais as dinâmicas que têm umas com as outras e de com funciona o “mundo” deste hotel.
E isto acontece, desde o primeiro episódio. Como?
A resposta é só uma: a magistral escrita de Cleese e Booth. Assistir a um episódio de Fawlty Towers é assistir ao trabalho de dois mestres relojoeiros que encaixam e fazem trabalhar todas as peças com uma precisão inigualável. Cada situação é explorada ao máximo e cada linha de diálogo é uma pedra preciosa à espera de ser descoberta.
É por isso que ver as trocas de palavras sarcásticas entre Basil e Sybil são deleite em estado puro. É também graças a esta capacidade de nos introduzir rapidamente no alucinante “mundo” do hotel que, desde cedo, sabemos que quanto mais infeliz, enfurecido e arrogante Basil estiver mais nos vamos rir.
Aliás, é preciso ser forte e cometer a heresia: este é o melhor trabalho, como ator, de Cleese. Sim, melhor do que nos Monty Python. O timing é perfeito, a acidez das respostas queima e a famosa “silliness” quando chega (e chega várias vezes) é levada a extremos épicos. Há qualquer coisa de estranhamente magnético e fascinante em ver Cleese perder a compostura.
Apesar de esta ser uma série intemporal há várias referencias que a remetem para “o seu tempo”. E este é talvez o único defeito de Fawlty Towers. Desde a banda sonora colada à “típica” soundtrack das sitcoms da época (e que é absolutamente esquecível) passando pelas referências a primeiros-ministros eleitos no tempo em que a série foi emitida, há várias “pistas” que prendem algumas cenas aos anos 70 (mais do que elas mereciam). Nenhum destes pontos retira o prazer de revisitar Basil e companhia, mas não deixam de ser apontamentos que, se não estivessem lá, dariam (ainda) mais brilho à série.
Em resumo, quarenta e cinco anos depois, continua a ser o que sempre foi. Uma série construída à medida do gigantesco talento de uma lenda viva e uma das melhores sitcoms de sempre.
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