Quando eu soube pela primeira vez que The Queen’s Gambit era sobre xadrez e não sobre qualquer história envolvendo a família real, a primeira coisa que me veio à cabeça foi “isto vai ser uma seca”. No entanto, The Queen’s Gambit, adaptação de Scott Frank do romance do mesmo nome de Walter Tevis, é exatamente o oposto de secante.
Aliando uma performance magnética a um enredo que nunca é menos do que emocionante, é, na minha opinião, uma das melhores séries do ano. A série torna-se não só um drama de época atraente, como também um estudo de personagem e um banquete para os olhos. Eu que peco daquele hábito de estar no telemóvel ao mesmo tempo que a série ou o filme está a dar na televisão, não me lembro de ter pegado no telemóvel uma única vez durante os sete episódios desta série, o que para mim é um elogio já em si mesmo, principalmente quando grande parte das cena revolve à volta de trocas de olhares e expressões faciais.
Normalmente, o xadrez aparece tipicamente implantado no cinema e na televisão como uma metáfora, e voltado para um público sénior. Afinal, o xadrez raramente é descrito como um jogo para jovens. The Queen’s Gambit é, surpreendentemente, a exceção. Há algo quase ousado em fazer uma série em que a ação dramática principal envolve duas pessoas em uma mesa, movendo pequenos pedaços de madeira, batendo num relógio e tomando notas. Não há grandes perseguições de carros, assassinos à solta ou lutas de espadas, e mesmo assim ficamos vidrados no ecrã o tempo todo, algo que eu achava já não ser possível.
A história de Beth, uma órfã que um dia encontra o contínuo (Bill Camp) no porão do orfanato a jogar xadrez, um jogo que a deixa fascinada, e a sua genialidade óbvia para este mesmo, é uma premissa simples mas que é aproveitada de forma exemplar por Scott Frank. Vendo a sua habilidade notável, Shaibel decide que tem de ensinar a pequena, nunca esperando que ela um dia se tornasse na jogadora exímia que acaba por ser.
The Queen’s Gambit é tanto sobre o vício e a supressão da dor quanto sobre o xadrez. Pouco depois de a jovem Beth chegar ao orfanato, ela recebe uma dose diária de tranquilizantes, uma forma perigosa de garantir que as meninas permaneçam calmas e controláveis. Como as visões de Beth começam a se manifestar nesse momento, ela acredita que a sua magia no xadrez é inseparável das drogas. Eventualmente, adiciona álcool à mistura; onde as pílulas abrem a sua mente, parece que o vinho e a bebida levam embora os seus sentimentos de abandono e inadequação.
Aos poucos vamos explorando as fases da vida de Beth Harmon enquanto ela sobe a escada do mundo do xadrez profissional e, simultaneamente, luta contra um vício paralisante que pode ou não ajudar o seu jogo. Sabemos que a sua mãe era uma matemática que se tornou uma reclusa suicida devido às drogas e a doenças mentais, então não é de estranhar que Beth possa sofrer com essas mesmas tendências.
The Queen’s Gambit é visualmente imaculado e vem mostrar os talentos de Taylor-Joy, uma atriz sem dúvida a não perder de vista nos próximos anos, na sua interpretação de como a ansiedade e o trauma podem tão facilmente conduzir um génio na direção oposta do seu destino.