Comecemos pelo fim. Pode parecer estranho, mas tudo indica que é no fim da primeira temporada que House of The Dragon se começa a tornar naquilo que quer ser. De facto, os dez episódios acabam por ser uma prequela da prequela, apresentando-nos os acontecimentos que vão desencadear a verdadeira história do fim da casa Targaryen.
Esta estratégia faz parte de uma tendência maior na televisão, em que muitos dramas estruturam as primeiras temporadas como uma premissa para o programa que os showrunners realmente querem fazer. Quando se é uma prequela de uma das séries de TV mais populares já feitas, há mais segurança em fazer isto do que se fosse um programa sem um culto já formado ou grandes estrelas. Ainda assim, a abordagem não deixa de ser incomum. Estes 10 episódios abrangem cerca de 20 anos na vida de Rhaenyra, Alicent, o príncipe Daemon, o rei Viserys, e todos os outros. Desta forma, a série começa com as futuras rainhas rivais como amigas adolescentes, interpretadas por Milly Alcock e Emily Carey. Depois de cinco episódios, a narrativa avança uma década, e alguns episódios depois disso, pulamos mais seis anos.
Embora estas duas personagens se tenham saído bem com a mudança de elenco, num casting perfeito, os saltos no tempo tornaram-se narrativamente prejudiciais. Os filhos de Rhaenyra e Alicent crescem de salto cronológico em salto cronológico, tornando impossível estabelecer as suas personalidades e alicerçá-las. Pior ainda, a estrutura confunde por completo os arcos de vários personagens-chave, principalmente Daemon. Nos episódios de Milly Alcock, o príncipe é um sociopata convencido de que merece governar Westeros e não o seu irmão, semeando a dissidência em Porto Real, matando friamente a sua primeira esposa para que possa herdar as suas terras e é tratado como o vilão da história. Após o salto no tempo de 10 anos, Daemon casa-se com Rhaenyra, um movimento tanto apaixonado como político e um tanto obscuro, obrigando os dois a falsificar o assassinato do primeiro marido de Rhaenyra, colocando Daemon como alguém que não devemos ver como um monstro, apesar de tudo o que testemunhamos na primeira metade da temporada. Contudo, tudo isto é deitado pela janela fora numa cena em que Rhaenyra traz à tona a profecia da “Canção de Gelo e Fogo”, e Daemon, que foi mantido fora do grande segredo da família Targaryen, começa a sufocá-la, atirando-nos de volta para o Daemon da primeira parte da temporada.
Mais do que a personagem de Daemon (nem vamos falar de Ser Criston Cole ou ainda me dá uma coisinha má), a adaptação sofre bastante pela direção tomada. Uma primeira temporada que abrangesse apenas a história de Rhaenyra e Alicent enquanto jovens, e que perdesse mais tempo nos motivos que levaram à sua desamizade seria o ideal. Uma temporada que sedimentasse as personagens, que não visse as suas personalidades darem uma volta de 180 graus em saltos temporais sem explicações quaisquer, e, acima de tudo, uma temporada que chamasse mais pela intriga, pelos planos secundários, que passeasse pelas outras personagens em vez de as apresentar apenas quando é conveniente, elevaria a série a outro patamar. Uma segunda temporada que se dedicasse ao que acontece após o salto temporal, que brincasse com os planos maquiavélicos e secretos de sucessão, que desemaranhasse as relações entre os novos príncipes, filhos de Rhaenyra e Alicent, e as casas que os apoiam, seria brilhante. Para terminar, uma temporada dedicada ao final que virá. Uma trilogia. Simples e bem executada. Nada de acelerar onde não se deve e perder tempo quando não há tempo a perder.
Podemos dizer que a série começa e acaba bem, mas que se perde pelo caminho. O final sem dúvida é o ponto alto da série, a alavanca de que precisa. Com a morte de Luke e o novo desejo de vingança de Rhaenyra, parece que estamos no ponto em que House of the Dragon pode finalmente se tornar a série que sempre quis ser. O final não apenas oferece uma morte angustiante para uma temporada muito violenta, mas também é um prenúncio para a eventual destruição da Casa Targaryen e sua dependência dessas bestas cuspidoras de fogo. A morte de Luke foi seguida por um último vislumbre da performance feroz de Emma D’Arcy como a rainha Rhaenyra, cuja esperança de um fim relativamente não violento para o golpe em Porto Real morreu junto com seu filho.
O final foi escrito por Ryan Condal, que trabalhou com Martin para adaptar Fire and Blood, uma história fictícia da Casa Targaryen, para a televisão, e que operou como o showrunner de HotD. Condal tratou toda esta temporada como um prólogo para a história que ele e todos os outros parecem mais animados: a guerra entre os negros leais a Rhaenyra e os verdes leais a Alicent e o rei usurpador Aegon.
Contudo, as prioridades desta temporada não parecem ser as certas. Demorou anos até que Game of Thrones tivesse o dinheiro e o conhecimento técnico para realizar sequências de batalhas épicas, o que forçou Benioff e Weiss a se debruçar mais sobre conhecer Ned, Arya, Cersei, Brienne e amigos. Isso construiu uma estrutura robusta que elevou as apostas. House of The Dragon tem todo o dinheiro do mundo, então não foge de apelar aos efeitos mais chamativos em vez de se preocupar com as fundações sobre as quais esta família repousa.
Sacrificando o desenvolvimento das personagens, percorrendo apenas a superfície e não se aprofundando, pelo espetáculo, sobra apenas uma coisa: um sentimento de desilusão. Com visuais bipolares, ora extraordinários, ora demasiado escuros para se perceber o quer que seja, um elenco de excelência (que sendo honestos, é o que o salva), e uma história com imenso potencial. House of The Dragon tem tudo para funcionar, mas acaba por nos trazer um drama familiar e não o épico que poderia ser. Talvez isto venha na próxima temporada, esperemos, por enquanto é um programa para se discutir com os amigos, mais pelo desencanto do que pelo encanto, infelizmente.
Redes Sociais