Já foi há alguns anos, mas ainda me lembro como se fosse hoje, o dia em que uma nova personagem da Marvel se tornou assunto do momento. Sei que na altura tudo me passou um pouco ao lado, estávamos ainda no rescaldo do primeiro grande evento cinematográfico da Marvel, Avengers, e Iron Man 3 tinha saído há uns poucos meses. Portanto, uma nova personagem, muçulmana, adolescente, que assim muito superficialmente parecia similar a Mister Fantastic, não via como é que isso poderia ter algum impacto naquela nova e fresca criação que era o Marvel Cinematic Universe (MCU). Ainda por cima, quando faltava tanto e tão bom material a ser explorado, preferi não me dispersar.
Entretanto, e com uma nova investida no mundo da banda desenhada, voltei a cruzar-me com a Ms. Marvel e, mais recentemente, com a sua homóloga em formato série. E porque razão estou a insistir tanto na banda desenhada quando o assunto é aquilo que nos foi apresentado pelo Disney+?
O maior motivo desta constante lembrança da banda desenhada, prende-se com o arco original criado por Adrian Alphona, e na sua presença também como argumentista da série. Acho que essa foi uma jogada certeira por parte da Disney, pois apesar de achar que a nível de história as parecenças são poucas, a essência de quem é Kamala Khan não se perdeu nem um pouco! Ela continua a ser uma miúda adolescente, com problemas de adolescente e que, na realidade, seria exatamente como todos nós se do nada tivéssemos poderes e já idolatrássemos variados super-heróis.
Também as referências à banda desenhada são mais que muitas, seja por pequenos momentos ou acontecimentos que conseguimos facilmente associar, seja pela parte mais visual. A apresentação que a série toda tem é muito provavelmente das melhores que a Disney já nos presentou. Capta na perfeição a essência do que é viver nos dias de hoje, principalmente aquilo que é para alguém mais jovem viver na era em que estamos. E isso também se faz sentir em vários momentos da história e da interação entre os personagens. É difícil não criar uma afeição quase instantânea a todos eles, seja à própria Kamala, seja ao melhor amigo Bruno, à amiga Nakia, ou mesmo a todos os seus familiares.
É exatamente aqui que vejo um bom momento para voltar ao meu ponto inicial, à analogia incessante entre banda desenhada e série. Convém também mencionar que nunca fui demasiado moralista, ou mesmo nada, em respeitar o material original quando existe uma qualquer adaptação. Adaptar a outro formato é isso mesmo, adaptar. Não é copiar, não é recriar, não é replicar, é adaptar algo existente a novos formatos e novas regras. E quando se fala de uma máquina como a Marvel, que tem tudo completamente interligado no mesmo universo, é impossível não adaptar por completo o material original à realidade que têm em mãos. Caso contrário, daqui a 50 anos íamos finalmente ter a Ms. Marvel no MCU.
Dito isso, talvez tenha de seguir pela opinião menos convencional e agradecer a todos os santinhos por o autor original ter optado, mais forçosamente ou não, por esquecer quase por completo a sua história original. Ainda que haja momentos e situações que se conseguem identificar, todas as diferenças que a série optou por assumir foram pelo melhor. Se excluirmos a Kamala, acho que apenas alguns traços gerais dos restantes personagens foram aproveitados, nomeadamente da sua família e amigos. A própria história explora apenas uma pequena secção do arco criado por Alphona, e foi consideravelmente alterado, e expandido, em relação ao material original. O que é perfeitamente compreensível. O ponto narrativo do MCU em nada tem a ver com o ponto em que a narrativa global da Marvel se encontrava em 2014.
A única alteração que talvez me faça alguma confusão é a forma como os poderes de Ms. Marvel se manifestam. Entendo o porquê, e aceito por completo, principalmente por conseguir entender onde se estão a encaixar tendo em conta um plano maior, mas sinto que fizeram os poderes dela demasiado “presos” a fatores externos.
Tirando isso, a história é bastante coesa, entusiasmante e divertida de se seguir. Acho que de todas, é aquela que mais facilmente nos emociona em vários sentidos. Há alma, há coração e há uma genuína preocupação por aquilo que temos à nossa frente. Ao contrário de outras séries em que há um investimento de anos que tem o seu peso, esta conseguiu ter esse mesmo efeito seguindo por outros caminhos. E sem cair em exageros, os dois últimos episódios são bem capaz de ser das melhores coisas que a Marvel já produziu dentro do MCU.
É importante realçar que a razão por esta ser, injustamente, uma das séries da Marvel com menos espectadores é, muito provavelmente, por ser algo novo em tudo. Todas as outras tinham personagens que já conhecemos há mais de uma década do grande ecrã. E Moon Knight, que também era algo novo para público, tem por trás atores de renome, o que por si só já chama outro público. Já Ms. Marvel é liderado por um nome que só agora se está a estrear, Iman Vellani, e que apesar disso foi perfeita neste papel!
Só falo deste facto porque apesar de ser a série com menos espectadores, é a série que tem mais espectadores concentrados em idades mais novas e de etnias mais diversificadas. Talvez esta seja a resposta necessária do porquê da série ter sido completamente arrasada com notas baixas mesmo antes de sequer ter visto a luz do dia, e também do porquê ser necessário haver cada vez mais diversidade e representação em grandes formatos como estes.
Idiotices à parte, esta é uma série que sabe bem a quem se destina. Na sua essência, a todos aqueles que amam a Marvel, seja em formato papel (ou digital), cinematográfico, ou seja em que formato for. Também é uma ótima introdução a uma nova e importante personagem. As introduções de novas personagens neste universo têm sido algo formatadas num mesmo molde, mas esta não o é. E a cereja no topo do bolo, é ser uma excelente série que mesmo não avançando praticamente nada no que diz respeito ao MCU, consegue algo mais importante que é viver por si só e inserir-se, sem soluços alguns, num panorama mais global.
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