A nova série Murderville da Netflix traz-nos mais uma adaptação televisiva de um programa britânico para os EUA. Contudo, contrariamente ao caso de The Office, e outros, o resultado é um fracasso, muito provavelmente porque este género de programas é sustentando por um humor britânico mais seco que a sensibilidade cómicas americana não consegue alcançar.
Cada episódio de Murderville é essencialmente um mistério ao género do Cluedo, em que nos são dadas pistas e temos de adivinhar o assassino. Baseada na série da BBC3, Murder in Successville, esta comédia junta uma celebridade convidada em cada episódio ao detetive Terry Seattle, interpretado por Will Arnett, para resolver os casos. O grande problema: em cada episódio, um novo “estagiário” – o convidado famoso – deve improvisar o seu caminho durante o show, enquanto todos os outros seguem um roteiro, tentando descobrir a verdadeira identidade do assassino. Durante trinta minutos, três suspeitos diferentes e pelo menos uma missão secreta, Murderville tenta confundir o convidado, acabando apenas por confundir o público. Cada suspeito tem motivos para matar a vítima, cercados por pistas obviamente condenatórias, no entanto, embora os mistérios sejam ridículos o suficiente para manter as celebridades entretidas no set, a série depende do quão bem as celebridades se adaptam a cada cenário cada vez mais ridículo, e na sua capacidade de improvisação, que, sendo sincero, deixa, na maioria das vezes, muito a desejar.
Murderville afasta-se do original de várias maneiras, e sempre em seu prejuízo, mas o mais surpreendente é que a principal – o uso de comediantes como convidados famosos – parece atrapalhar mais do que ajudar. Enquanto no original, vemos pessoas não acostumadas a improvisar atarantadas naqueles cenários ridículos a tentar não rir, o que se revela extremamente engraçado, nesta versão temos profissionais que não sabem aproveitar a situação da melhor forma. Outra coisa de que sentimos falta, é que em Murder in Successville, as vítimas de assassinato e possíveis culpados eram todas celebridades, o que deu bastante espaço para criar momentos de comédia originais. Já em Murderville, além da má escolha dos convidados, a escrita simplesmente não é tão engraçada e as personagens originais não são tão memoráveis (não que eles tenham muito tempo de tela para deixar uma impressão).
Tomemos o exemplo do primeiro episódio de Murderville, que mostra Conan O’Brien a resolver o terrível assassinato do assistente de um mágico. As piadas são básicas e a identidade do assassino é óbvia no segundo em que aparece na tela, mas as interjeições secas e céticas de O’Brien e a química com Arnett mantêm o episódio à tona. Não é chocante que alguns dos atores cómicos sejam melhores do que outros em melhorar o seu caminho através dos mistérios, mas não deixa de ser surpreendente o quanto muitos deles é incapaz de se deixar levar e se divertir. O improviso é, de facto, uma arte que não é para qualquer um. O meu conselho: para a próxima escolham um artista.
Muitas vezes, a escrita abaixo da média pode ser sustentada por uma estrela carismática, mas Arnett infelizmente não é engraçado. No entanto, para ser justo com Arnett, mesmo os elementos predeterminados não foram devidamente pensados – a produção deixa a desejar. Enquanto, por exemplo, Murder in Successville, jogou com a linguagem visual relacionada ao género do crime, seja usando as luzes neon e o alto contraste dos filmes noir ou a grandiosidade de um mistério de assassinato de Agatha Christie, Murderville é aborrecido e unidimensional.
Desta forma, o fracasso da mais recente comédia da Netflix é totalmente previsível. As escolhas de produção maçadoras e as mudanças ao original apenas agravam a falta de criatividade que vem com a tomada de uma premissa já estabelecida. A comédia medíocre é deprimente de assistir, mas a improvisação medíocre é excruciante, e quase todas as cenas de Murderville são torturantes. Arnett simplesmente não tem as habilidades: ele é incapaz de conduzir a ação com autoridade e não consegue criar momentos nos quais os convidados possam pegar e criar. Mesmo nos raros bons momentos de Murderville, são apenas pessoas que esperamos que sejam engraçadas, sendo engraçadas. A série acaba, assim, por não surpreender ou entusiasmar o público, caindo num lugar-comum do qual se quer sair.
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