Mesmo sem ter lido o livro de Sally Rooney, não é necessário mais do que alguns minutos na presença de Marianne (Daisy Edgar-Jones) e Connell (Paul Mescal) para nos sentirmos atraídos por estas personagens, que têm tanta química entre eles, que parece que estamos a invadir a sua privacidade a todo o momento.
Para além de um romance, a série estabelece imediatamente que esta é também uma história de desejo jovem, em que o sexo é um factor fulcral tanto para a reacção entre os dois como para a própria narrativa. É mais do que hormonas ou uma expressão de amor, é a terceira pessoa numa relação a três.
Envolta numa respiração pesada, esta série melancólica é realmente sobre o processo necessário e doloroso de quebrar a pessoa que se é era para se tornar a pessoa iremos ser, é sobre crescer, tornar-se adulto e como navegar este momento das nossas vidas.
Situada na Irlanda, no início de 2010, Normal People retrata a vida de Marianne e de Connell, cuja mãe limpa a casa da família de Marianne. A sua dinâmica inverte o cliché do drama adolescente de um garoto rico e popular para um garoto pobre e alienado. Enquanto Marianne é antisocial, estudiosa e sarcástica, Connell é querido pelos colegas, atlético e querido, socialmente confortável, embora modesto.
O que eles têm em comum é uma atracção instantânea e uma inteligência aguda, uma combinação que primeiro leva a uma relação intensa e física e que depois se desenvolve ao perceberem que podem conversar um com o outro de uma maneira que não conseguem com mais ninguém. Quando eles se despem à frente um do outro – e é de notar que não só há muita nudez, como a nudez é para os dois lados, algo que não é muito comum em televisão, estando normalmente reservada para as mulheres – há uma magia que acontece como se estivessem a conhecer a um nível metafísico. Onde em algumas histórias de adolescentes, o sexo é um fim em si mesmo, em Normal People é uma maneira de experimentar com a sua própria identidade, a sua relação com outras pessoas, é um jogo de poder e impotência. Na cama e fora dela, cada um tem algo que o outro anseia e carece: a bondade de Connell, a acutilância de decisão e a honestidade de Marianne.
Quando Marianne sugere manter o seu caso em segredo, Connell – com medo de ser gozado pelos amigos – concorda com demasiada facilidade, uma escolha prejudicial que ecoa ao longo dos anos no seu relacionamento.
Quando os dois partem para a Trinity College, no entanto, Marianne encontra o tipo de pessoa sofisticada e com a qual se sente confortável, enquanto Connell é agora quem se sente deslocado. De alguma forma, as diferenças entre a educação dos dois são mais evidentes em Dublin do que em casa.
Durante os anos de faculdade, Connell luta com dificuldades monetárias e depressão, e Marianne com a sua família. No entanto, a história é simples: o tempo passa, as pessoas envelhecem e mudam.
Os dois têm triunfos e contratempos, viajam e retornam, conversam através de relacionamentos com outras pessoas, acabando sempre por se irem encontrando e desencontrando.
Edgar-Jones e Mescal são radiantes individualmente, mas juntos criam algo que não se via em televisão há muito tempo. O próprio relacionamento entre os dois torna-se uma de personagem, algo que Connell e Marianne precisam construir e possivelmente destruir para perceber quem são. Mesmo nas cenas de sexo, o sentimento é algo mais do que luxúria; é como se Marianne e Connell estivessem tentando desesperadamente encontrar uma parte escondida deles na outra pessoa.
Mas para além de amor e sexo, Normal People explora classe e privilégio, o impacto devastador do abuso e como o que parecem interacções tolas de adolescentes pode moldar o senso de identidade de uma pessoa até à idade adulta. Há uma tendência em menosprezar os relacionamentos do secundário como algo de adolescente e sem sentido, que desaparece quando crescemos e embora a série reconheça que os indivíduos evoluem à medida que envelhecem, ela também faz algo que apenas as melhores histórias fazem: trata os jovens adultos com respeito e leva a sério os seus relacionamentos, especialmente os primeiros amores. Está ciente de que esses relacionamentos deixam marcas permanentes.
Normal People é, assim, algo especial, um romance adolescente complexo que capta como o amor pode ser uma espécie de rivalidade sem forçar o espectador a escolher lado.
Até à última cena desta série, Rooney captura Connell e Marianne como duas pessoas que estão sempre ligadas entre si por uma história que não pode ser compartilhada com mais ninguém, como um só coração.