Muito resumidamente, embora os atores mais jovens tenham envelhecido visivelmente desde a última vez que os vimos, de alguma forma, apenas seis meses se passaram para os personagens de Stranger Things desde que Eleven derrotou o “Devorador de Mentes”, e o xerife Hopper se sacrificou para fechar o último portão para o “Mundo Invertido”.
Joyce Byers (Winona Ryder), os filhos Jonathan (Charlie Heaton) e Will (Noah Schnapp), e Eleven (Millie Bobby Brown) mudam-se para um subúrbio na Califórnia, onde Eleven, agora sem poderes, tem problemas em fazer amigos e tem de se defender dos bullies. Já em Hawkins, Lucas (Caleb McLaughlin) junta-se à equipa de basquete do ensino médio numa tentativa de ser popular, enquanto Mike (Finn Wolfhard), Dustin (Gaten Matarazzo) e a irmã de Lucas, Erica (Priah Ferguson), se juntam ao Hellfire Club, um clube para jogadores de Dungeons and Dragons liderados por Eddie (Joseph Quinn). Steve (Joe Keery) e Robin (Maya Hawke) deixaram de vender gelado para trabalharem num videoclube, enquanto a irmã de Mike, Nancy (Natalia Dyer), toma conta do jornal da escola e se prepara para se formar e ir para a faculdade com Jonathan, embora ele esteja muito menos envolvido com o plano do que ela imagina. Finalmente, Max (Sadie Sink) refugia-se nas músicas de Kate Bush enquanto luta com as memórias de ver o irmão Billy ser morto pelo Devorador de Mentes na batalha final da temporada anterior.
Para acomodar todas essas pessoas, lugares e conceitos, os criadores da série, os Duffer Brothers, optaram por fazer episódios mais compridos. Os primeiros sete já disponíveis, com uma média de 70 a 80 minutos, e dois episódios que sairão em julho, em que o segundo tem duas horas e meia de duração, o que aparentemente o colocará como o episódio mais longo da história da televisão americana. Mas não se assustem com o tamanho destes episódios. Se queremos explorar todos os enredos, e visto que esta nova temporada vê o nosso grupo de amigos dividido não só interna mas geograficamente, as horas acabam por passar a correr, com algo sempre novo e entusiasmante a acontecer.
Como já acontecia anteriormente, mas agora ainda mais, a série divide-se em várias vertentes narrativas amplamente separadas. O principal envolve o grupo ainda em Hawkins, que tenta encontrar e parar Vecna, o novo vilão desta temporada. Os subenredos focam-se no facto de Hopper (David Harbour) estar vivo, mas preso num gulag soviético, e em Joyce e Murray que o tentam libertá-lo. Temos ainda Mike que durante as férias de primavera viaja para a Califórnia para ver Eleven, mas que acaba preso numa viagem frenética com os irmãos Byers e o novo amigo maconheiro de Jonathan, Argyle. E por fim, Eleven e na sua jornada pelo seu trauma passado na tentativa de recuperar os seus poderes e memórias recalcadas.
É infelizmente, nestes subenredos que Stranger Things se perde um pouco. Como é fácil de imaginar, é insustentável ter todos os membros de um elenco tão grande a interagir regularmente uns com os outros. Mas Stranger Things começou a ir longe demais com estas missões secundárias. O argumento que envolve Mike, Will, e Jonathan, por exemplo, não parece estar focados em avançar a história, mas em garantir que todas as personagens tenham algum tempo na tela, o que acaba por enfurecer o espectador.
Não são só, no entanto, desilusões, muito pelo contrário. O maior triunfo da nova temporada de Stranger Things é o de ter crescido com a sua audiência. Ao perceber que os espectadores mais novos que acompanharam a série em 2016 têm agora idade suficiente para algo mais aterrorizador e explicitamente assustador, a nova temporada abandona o horror implícito e subentendido por algo que de facto mete medo. O que antes era um thriller assustador, assume finalmente e sem restrições elementos de verdadeiro horror inspirados em filmes como O Exorcista e A Nightmare on Elm Street. Somos bombardeados com pessoas a serem possuídas, membros a estalarem, olhos a serem arrancados. Ao contrário dos antigos monstros, que passavam a maior parte da temporada sem serem vistos, fazendo barulho, a bater em janelas e a fazer as luzes piscarem, o demónio impressionante desta nova temporada é um humanoide hediondo sem nariz e com garras no lugar das mãos.
Mas não é só no aspeto visual que Stranger Things assume a sua maioridade. Os temas que assombram os novos episódios giram em torno duma reflexão sobre como Hawkins é uma comunidade danificada pela tragédia, consequências do final da última temporada. Surpreendentemente, Stranger Things consegue de forma orgânica combinar os visuais angustiantes da narrativa com uma profundidade psicológica que antes estava ausente. O novo ser sobrenatural ataca as piores lembranças das suas vítimas, a maioria adolescentes, transformando a história principal numa sobre infâncias marcadas por traumas. Não é difícil de perceber uma intenção dos escritores em espelhar estes acontecimentos sobrenaturais com o mundo contemporâneo numa alegoria à pandemia que é o suicídio entre adolescentes.
Como já dito anteriormente, os nossos próprios protagonistas crescem também, embora não o suficiente para acompanhar o crescimento real dos atores que os interpretam, fazendo-nos duvidar que tenham os 14 anos que são supostos ter. Ainda assim, onde antes o nosso grupo se preocupava com quem gostava de quem, agora enfrenta problemas de namoro mais “adequados” à sua idade, como o medo de compromisso e a estranheza de relacionamentos a longa distância. Aliados a estes temas mais “crescidos” temos, como sempre, uma química a nível do elenco imbatível, e algumas performances que saltam à vista, das quais é impossível não salientar a de Sadie Sink como Max. Sadie faz um trabalho pungente e árduo ao retratar a dificuldade de Max em superar a morte de Billy. E no processo, adiciona um grau de peso emocional aos acontecimentos que equilibra o tom de brincadeira de personagens como Dustin ou Steve.
Em conclusão, há um claro esforço com esta nova temporada em dar profundidade às histórias e às personagens. Mesmo Vecna e a sua origem, um dos pontos mais positivos e bem conseguidos de toda a temporada na minha opinião, oferece-nos um vilão genuíno com mais personalidade do que o Devorador de Mentes ou o Demogorgon. No entanto, onde o material em Hawkins brilha por ser mais autenticamente Stranger Things, não só pela forma como lida mais diretamente com demónios e monstros, mas também pelas homenagens ao horror dos anos 80 e 90, e na construção das personagens; outros momentos perdem por não receberem tanta atenção ou não contribuírem para a história de igual forma.
De qualquer das maneiras, é sempre bom ter uma boa série para ver, que preenche todos os requisitos para algo grandioso e de culto, e sem dúvida que Stranger Things nos traz isso. Esta nova temporada está maior e melhor do que a anterior, e mais do que isso não podemos pedir, ainda bem que está de volta.
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