Há todo um género de suspense que circula à volta de uma peripécia noturna em que a personagem principal faz algo errado, ou se encontra no lugar errado na hora errada e, de repente, tudo fica de pernas para o ar. Talvez a polícia os esteja a perseguir, talvez sejam os maus da fita. A verdade é que toda a sua vida muda depois daquela noite.
No início de The Flight Attendant, baseado no romance de Chris Bohjalian, Cassie, uma hospedeira de bordo, interpretada por Kaley Cuoco, encontra-se exatamente numa destas situações. Sofrendo de um pequeno problema com a bebida, Cassie está mais do que habituada a casos de uma noite e aventuras. Numa dessas noites em particular, tem um encontro com um homem charmoso e depois de beber até se esquecer de tudo o que se passou, acorda com um cadáver ao seu lado. A partir daqui, aquilo que seria apenas mais uma noite de diversão, desagua numa trama de intriga, mistério, confusão, e um esforço desesperado para juntar as peças e descobrir o que se terá passado. Terá sido ela quem matou Alex? Caso contrário, quem terá sido e poderão vir atrás dela para a incriminar, ou pior, para a matar também?
Cassie não é, porém, só uma amálgama de erros e defeitos sem lógica. A sua história é complicada e traumática, dando uma profundidade muito necessária à sua personagem, e que em conjunto com as suas relações interpessoais constroem algo cativante. Para além da sua amiga e advogada, Annie, interpretada com inteligência e humor seco por Zosia Mamet, o vínculo que realmente complica a personagem é o que ela tem com seu irmão Davey. Interpretado por T.R. Knight, Davey é ao mesmo tempo um irmão preocupado e profundamente zangado, principalmente no que toca ao papel que Cassie teve na sua infância.
The Flight Attendant é engraçado, sombrio e surpreendente, e consegue criar um equilíbrio perfeito numa protagonista ao mesmo tempo querida pelo público e detestável, quase irritante, nas suas escolhas e ações. A mais valia do roteiro é conseguir pôr-nos a pensar na forma como agiríamos se acordássemos cobertos com o sangue de outra pessoa num hotel de luxo em Bangkok, e depois de nos deixar adivinhar o caminho correto a agir optar por seguir o caminho oposto. De certa forma, pega naquele crime absurdo e o transforma-o numa experiência compartilhada, uma que podemos julgar cada passo errado que Cassie toma. E é, talvez isto, que o torna tão interessante, este observar de longe e achar que se estivéssemos no lugar dela seríamos diferentes, mais inteligentes e mais engenhosos.
Kaley Cuoco como Cassie é quem faz essa complicada premissa funcionar, tornando as suas partes frustrantes como o seu egoísmo, teimosia, e hipocrisia, em alguém que nos envolve, um verdadeiro ser humano, oferecendo-lhe vulnerabilidade e fragilidade suficientes para que nunca a julguemos demasiado.
Refletindo a sua própria ruína emocional, Alex permanece vivo no seu subconsciente, mas como é claro este é apenas uma projeção de quem Cassie pensava que Alex era, combinada com a própria parte de Cassie que ela tentou enterrar ao longo da vida e que parece ter vindo ao de cima com o trauma. À medida que a série avança, esta vai desvendando não só o mistério à volta da morte de Alex, mas também o trauma do seu próprio passado.
Apesar de um final satisfatório e aparentemente conclusivo, HBO Max confirmou já uma segunda temporada, e embora sem saber como um segundo capítulo se poderá desenrolar, a verdade é que temos ainda muito por explorar não só em Cassie mas também nas personagens que a revolvem, pelo que definitivamente ficarei à espera para ver o que virá daí.
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