Depois do fantástico documentário de 2004, The Staircase, sobre o caso verídico da morte de Kathleen Peterson, seria difícil de imaginar como ou porque é que se haveria de fazer uma série sobre o mesmo. Afinal de contas, já tudo tinha sido abordado. No entanto, Antonio Campos consegue superar todas as expectativas com a sua nova minissérie disponível em Portugal na HBO Max. Assim como o documentário, a série trata do crime real com um incrível senso de estilo, urgência e visão, o que resulta especialmente quando se junta a uma história suculenta que vive ou morre pela integridade do narrador.
Recuemos até 2001, quando a vida privilegiada do romancista Michael Peterson foi publicamente destruída depois de ser acusado de assassinar brutalmente a esposa, Kathleen, na sua luxuosa mansão na Carolina do Norte. O julgamento dominou os ciclos de notícias, com os promotores a insistirem que a carnificina chocante da cena de crime prova inequivocamente a culpa de Michael, enquanto ele (e a maioria de seus filhos) insistiam que tudo não passara de um acidente horrível e estranho. The Staircase anda, assim, à volta da família americana moderna, que neste caso inclui muitos irmãos adotivos em conflito, pais ricos com segredos, e, o mais importante para esta história, sangue no fundo das escadas. Colin Firth estrela a série como Michael Peterson, que no início da série é acusado de assassinato quando a esposa Kathleen (Toni Collette) é encontrada morta nas referidas escadas, coberta do seu próprio sangue, com um traumatismo craniano extremo, que sugere algo mais do que um simples acidente. O mistério cria uma imensa divisão entre a família extensa, incluindo os filhos dos casamentos anteriores de Michael, que sempre o conheceram de uma certa forma. Para além disso, ao longo do caso fica claro que, independentemente de Michael ter ou não ter sido o assassino, ele tem outros segredos.
Onde The Staircase se destaca dentro do género é na sua abordagem ao crime, focando-se auto-conscientemente no documentário realizado em 2004 aquando do julgamento. Enquanto o documentário deu aos espectadores um lugar na primeira fila para a equipa de defesa de Peterson e o efeito devastador do julgamento numa família em luto que se vê atirada para o circo que são os media, a série criada e dirigida por Campos leva o caso a um nível ainda mais meta, colocando tanto a equipa de promotores quanto os documentaristas franceses como personagens centrais da história. Desta forma, Campos eleva a tensão doméstica ainda mais longe, jogando com todos os acontecimentos que se passaram na altura como uma saga de bonecas russas. Assim, a série não é apenas sobre o possível assassinato, mas também como se tornou a história que se tornou, como foi abordada e lançada para o público, revelada e protegida, dependendo de quem a contava. O ângulo documental vai episódio a episódio integrando-se cada vez mais à história, criando uma dinâmica reveladora à medida que os cineastas do documentário representam o espectador, descobrindo e analisando o que descobrem ao mesmo tempo que nós. Quando estão dentro da casa dos Peterson, alteram toda a atmosfera, e acrescentam mais uma camada de estranheza a todo o caso.
A série explora todas as possíveis explicações para o desenlace que se conhece, e ao capturar tantas perspetivas diferentes, não é incomum que Campos seja visualmente imprevisível pulando entre as linhas do tempo. Desta forma, Collette é sem dúvida uma das mais valias de The Staircase, usando todas as suas habilidades para o horror para realmente nos vender as duas versões diferentes da morte de Kathleen postuladas pelos investigadores de homicídios e pela equipa de defesa de Michael. Assim, é excecionalmente grotesco assistir a este elenco repleto de estrelas reencenar a história desse caso brutal, especialmente por causa de como os seus imensos talentos podem transformar essas pessoas da vida real em personagens tão atraentes. Podemos até argumentar que tanta cobertura dada ao caso, incluindo a nova reiteração de Campos, acaba por acrescentar à tragédia inicial um novo nível de exploração ou crime ao desumanizar os envolvidos, especialmente os filhos, tornando-os quase em personagens de ficção para o nosso consumo de entretenimento.
Em jeito de conclusão, se o espetador começa a série à procura de respostas sobre este caso, não os encontrará, mas se procura um verdadeiro clássico do género, bem construído, com performances sólidas, e algo diferente, não encontrará algo melhor a dar atualmente na televisão.
Redes Sociais