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Pentiment – Pecado original
Publicado a 14 Nov, 2022

Em criança e jovem adolescente, todos já passamos por aquele momento em que nos perguntam qual a nossa disciplina favorita ou aquela que não gostamos. É capaz de ser a pergunta mais comum que nos é feita se excluirmos a clássica “Então, e namorada/o?!”. Para começar, tia Ofélia, ninguém lhe perguntou nada, em segundo, a única razão pela qual não escolho História como a disciplina que menos gosto, é porque para não gostar de algo teria de lhe dar alguma importância!

Se vocês são como a tia Ofélia, e estão a tentar meter o nariz onde não vos é chamado, é totalmente compreensível porque é para isso que aqui estão. Ainda assim ela é bem-vinda caso também queira perceber o que raio tem tudo isto a ver com Pentiment, o novo título da Obsidian Entertainment.

Fallout: New Vegas, Pillars of Eternity ou, mais recentemente, The Outer Worlds, são nomes que talvez mais facilmente associem à Obsidian. Eu próprio fui apanhado de surpresa como é que um estúdio desta envergadura se focou nisto. E o que é isto?

Pentiment é um jogo que se passa nos Alpes da Bavieira no século XVI. Nós controlamos Andreas Maler, um artista plástico que está a dar os primeiros passos na sua grande obra quando se vê envolvido numa trama de mistério e conflitos religiosos e políticos, tão típicos na Europa desta época. Porém, a sua vida leva outro rumo, quando um dos abades que acompanha Andreas no seu desenvolvimento artístico é acusado de ter morto um aristocrata que financiava a abadia. Numa tentativa de salvar o seu velho amigo, Andreas vai agora investigar tudo o que levou aquele momento e tentar descobrir quem é o verdadeiro assassino.

Os momentos iniciais desta aventura narrativa são passados a conhecer esta pacata vila, quem nela habita e qual foi o nosso percurso de vida até aquele momento. Isto tem a sua importância, já que são decisões que vão influenciar o nosso conhecimento e aquilo a que vamos conseguir ter acesso. Se tal como eu, escolherem uma vida pautada pelo hedonismo, vão ter acesso a opções de diálogo mais sugestivas. Como segunda opção, podem ter uma vida académica recheada de estudos e leitura, o que abre portas para, por exemplo, melhor interpretar o que encontramos em livros. Tudo características que são bem familiares num jogo da Obsidian.

As decisões que tomamos acabam por ter um impacto significativo no desenrolar da história, já que a mesma decorre ao longo de 25 anos. As escolhas que tomamos não são confirmadas como sendo certas ou erradas, são apenas as nossas decisões. Elas foram tomadas tendo em conta a informação que tínhamos em mão em determinado momento. Contudo, vão para sempre assombrar a vida desta vila, dos seus habitantes e do próprio Andreas. E nós conseguimos ver o efeito que isso tem na dinâmica entre personagens, quais as repercussões que essas decisões têm e como isso nos vai limitar, ou abrir portas, em momentos futuros.

Como seria de esperar, o desafio começa logo por existir assim que decidimos o que fazer e quando o fazer. Só temos algumas horas ao longo do dia, e assim que começamos uma interação o tempo vai avançar, reduzindo o número de outras interações que vamos poder ter. A informação que assim angariamos para nos ajudar, vai ser limitada, e será mais ou menos clara consoante as escolhas que também havíamos feito sobre o nosso passado.

Chegando ao final, resta-nos pensar bem em tudo o que sabemos e tomar uma decisão. Se tal como a tia Ofélia, ávida gamer nos tempos livres, se estão a questionar: “mas isto não é assim em todos os jogos deste género?”, então a minha resposta só pode ser uma: sim.

O grande encanto de Pentiment está nas decisões, como já várias vezes disse, mas aqui foram as decisões do próprio estúdio e da jogada criativa em retratar um determinado período histórico, com fidelidade narrativa de época e ilustrada com iluminuras que tão bem conhecemos das nossas aulas de história. Este tipo de arte, usada maioritariamente como ilustração de manuscritos, totalmente enquadrado na história que estão a contar, é das escolhas mais bem tomadas que vi na última década dentro da indústria. Pode parecer exagero, mas num mercado dominado por uma busca incessante pelo realismo ou por algo estilizado, sem haver uma necessidade real por um caminho ou outro, apenas por visualmente parecer melhor, é verdadeiramente refrescante ver algo que funciona tão a favor da história como aqui em Pentiment. Até os próprios balões de fala, variam a sua expressão visual consoante a profissão e posição social do personagem.

Isto é o que deveria ser feito com todos os elementos que constituem um videojogo. A parte audiovisual deveria elevar e acrescentar à parte intelectual, funcionando as duas como motor bem oleado da máquina que querem oferecer ao jogador. Porque razão temos de ter um Spider-Man foto realista nos videojogos? Porque não criar um videojogo com o estilo de Into the Spider-verse? Todos sabemos perfeitamente que este super-herói vem da banda desenhada, aproveitem o universo visualmente rico de onde ele veio. Isto é apenas um exemplo, e claro que quando um jogo é bom, é bom e ponto final. Este é apenas um pensamento que deixo no ar: almejar para um visual próximo da realidade, nem sempre é a escolha mais acertada que podia ser feita. É talvez a escolha mais segura nos dias que correm.

E a Obsidian arriscou, em vários níveis, e a meu ver saiu o jogador a ganhar, que tem aqui uma experiência única. Mesmo no meu caso, que de história percebo pouco e pouco quero saber, tenho de admitir que senti um certo entusiasmo ao recordar não só as aulas de história do ensino básico, como mais concretamente as aulas de faculdade em história de arte. Esta nem eu nem a tia Ofélia conseguimos explicar. Não gostar de história e escolher algo que tem história…

Claro que isto é tudo muito bonito, literalmente, mas há sempre um senão. E aqui talvez seja mais um senão por ser o tipo de jogo que é, e pela escala que ele próprio tem, e não propriamente algo mais trágico. Ainda assim, há que ser mencionado.

Há muitos outros títulos que seguem por um caminho mais focado na narrativa e não tanto em ser jogado. A Quantic Dream desde cedo foi acusada disso mesmo, mas com o avanço do tempo, têm aberto mais e mais as suas produções a elementos interativos, que vão muito mais além de um simples andar em frente e clicar na mesma tecla. Há alguma exploração, puzzles a resolver, decisões a tomar, um conjunto de elementos que nos fazem sentir mais ligados ao jogo e que, por sua vez, se revertem numa experiência mais satisfatória para quem joga. Em Pentiment, senti que só usava o stick para empurrar o personagem da esquerda para a direita e um botão para confirmar diálogos.

Não houve nenhum desafio acrescido. Podemos aceitar que os diálogos e interações são os puzzles propriamente ditos, o desafio que nos apresentam, e que pode ou não resultar em algo melhor para a história que estamos a ver. Mas se nem existe uma escolha errada, já que todas elas são aceites como decisões válidas para a história progredir, o que também tem o seu valor, onde é que está o desafio de Pentiment?

Estamos apenas a pressionar teclas sem pensar para vermos uma história acontecer à nossa frente, e ainda que não exista mal algum nisso, muito menos quando a história é efetivamente boa, se alguém procura uma experiência que exija mais de quem a controla, este não é o local ideal para isso.

É o local ideal para viver uma experiência diferente, enriquecedora, estimulante em vários sentidos, menos naquele já mencionado diretamente acima, e que poucas, ou nenhuma, como ela há igual. Se alguém como eu, ficou incrivelmente surpreendido com aquilo que joguei, imagino como ficará alguém que vive e respira história, para esses, este é um título totalmente recomendado.

Esta análise foi possível com o apoio da Obsidian Entertainment!
Pentiment
Pentiment
Bom
Distribuição:
Lançamento: 15 de Novembro de 2022
7.5
  • Positivo
  • Visualmente criativo e rico
  • História cativante e bem escrita
  • Recomendado para amantes de (uma boa) história
  • Decisões com impacto em momentos futuros
  • Negativo
  • Pouca interação do jogador
  • Alguns momentos esticam a duração do jogo sem necessidade
Escrito por:
Marco Almeida
Viciado em tudo o que conte uma boa história, desde cinema a videojogos, séries a banda desenhada, e até um bom jogo de tabuleiro. Tudo é motivo para me atirar de cabeça a universos alternativos. E já agora, o Scorsese está errado; o MCU é o pináculo da sétima arte! Quem respira, concorda!